O Autista
A esfera onde orbita a maioria dos comentadores desportivos portugueses é nebulosa e deveria ser analisada ao pormenor pelos simpósios de medicina psiquiátrica. Infelizmente, os especialistas evitam este promissor campo de investigação e preferem temas mais mundanos. Não havendo portanto peritos à mão de semear, resto eu para comentar. Posso não ter formação estruturada na área, mas sei reconhecer a esquizofrenia quando ela emerge em doses industriais. E em Miguel Sousa Tavares ela é um complexo fabril de grande envergadura.
Qualquer pessoa sabe que, em Miguel Sousa Tavares, uma galopante estupidez segue de braço dado com uma descoordenação entre a informação recolhida pelos sentidos e o sinuoso mecanismo de processamento e racionalização desses dados. Os motivos pelos quais jornais sérios (e, além desses, a “A Bola” e o “Expresso”) lhe pagam para escrever barbaridades continuam a ser insondáveis.
Submeto à respeitável audiência que Miguel Sousa Tavares sofre de autismo. Ele olha, mas não vê. Ele observa, mas não interioriza. A memória está lá, mas não grava. O cérebro tem a relevância de um guião numa peça de teatro da Cornucópia: não é usado.
Esta semana, o cronista defendeu a tese de que os dirigentes do Sporting nunca reconhecem mérito nas vitórias do adversário. Ao invés, atribuem a responsabilidade de todos os falhanços aos tentáculos escorregadios do polvo da arbitragem. É bem achado! Miguel Sousa Tavares toca num ponto essencial da discussão: com a legitimidade que advém do facto de ser adepto de um clube popularizado pelo fair-play com que as derrotas são sublimadas, Miguel Sousa Tavares concentra-se nos outros, os que não sabem perder. Touché, Miguel!
Diz mais: Co Adriaanse deu uma lição de desportivismo no último Benfica-FC Porto, ao reconhecer, sem papas na língua, a justiça da derrota. Miguel Sousa Tavares tem, uma vez mais, razão: Adriaanse leva vantagem – imensa vantagem – na gestão de derrotas em jogos importantes. Teve três décadas de carreira repletas delas. Derrotas sonoras, derrotas por margens ínfimas, derrotas esperadas, derrotas inesperadas, derrotas em dias de sol e derrotas sob inclemente temporal. Queira Deus que os restantes treinadores da liga possam, um dia, beber da mesma fonte e aprender a perder como Adriaanse. Não será para já – as coisas têm de ser assumidas frontalmente. Mas é sonho que muitos deverão acalentar.
Miguel Sousa Tavares argumenta ainda que não viu nada no recente FC Porto-Sporting que justificasse tamanho alarido. É justo que se diga que o comentador tem razão. As coisas têm de ser devidamente contextualizadas. Ao lado do horror de Bergen Belsen, a chacina promovida por Olegário foi comedida.
Miguel Sousa Tavares acha o coro de protestos um pouco lamecha. É bem visto! Esta gente protesta por tudo e por nada: que atire a primeira pedra aquele a quem nunca lhe foi espoliado um penalty, uma expulsão, mais outra expulsão, mais outra expulsão ainda e viu um seu jogador recolher injustamente ao balneário. Que diabo! Na semana passada, aconteceu ao Sporting. Para a próxima vez, acontecerá a... adivinhemos... ao Sporting, se calhar. Ou talvez ao Sporting. Ou mesmo ainda... ao Sporting.
Tenho em fase de aprovação um projecto na Fundação para a Ciência e Tecnologia destinado a estudar a avançada decomposição da capacidade cognitiva de Miguel Sousa Tavares. Interessa-me estudar o homem e a obra! Temo, porém, que grande parte do trabalho de campo será passado em vão, olhando para ele, enquanto o nosso cronista, sentado no chão, abana o corpo para a frente e para trás, as mãos tensas sobre o colo e a língua entaramelada balbuciando: “Só eu é que sei! Só eu é que sei! Só eu é que sei!”