Sete vidas
Chegamos a casa de Carlos Queiroz.
Helmut, o enorme pastor-alemão, salta o portão e vem lamber-me a cara. Para evitar mal-entendidos, permitam-me que vos explique que Helmut era um cão e não um daqueles senhores que apascenta cabras, nascido na Baviera.
Dizem que, há muitos anos, Carlos Queiroz chegou a ser humilde. Acredito cegamente. Mas só o conheci na fase em que ele se portava como um lorde inglês, aparentemente envergonhado da piolheira onde tinha de exercer funções. Tudo nele transmitia um incómodo expresso numa pergunta nunca formulada, mas pairando sempre no horizonte: teria o fornecimento de água corrente começado apenas na véspera da sua chegada a Portugal?
Dessa reunião pouco restou de relevante. É verdade que, a dado ponto, o professor retirou as calças, mas eu e o Sancho imaginámos que fosse normal.
[Nós]: Mas, ó professor, tem mesmo de estar em cuecas enquanto falamos?
[Ele]: Sim, sim. Isto usa-se muito no estrangeiro.
[Nós]: Então, está bem. Se é assim que se faz lá fora... Mas, ó professor, tem mesmo de tirar os sapatos e as meias também?
[Ele]: Claro. Isto usa-se muito no estrangeiro.
[Nós]: Hum... Então, está bem.
Até ao dia da minha morte, manterei em segredo o desfecho dessa reunião. Mas sempre vos digo que ou o professor nos aldabrou, ou o estrangeiro é muito diferente daqueles postais que a minha prima me manda de França. *
Da selecção foi corrido sem honra para o Sporting. Em Alvalade, honra lhe seja feita, criou uma das melhores equipas do passado recente do clube. Ganhou uma Taça de Portugal – muito para um clube esfomeado de títulos, pouco para o potencial do conjunto de jogadores colocados à sua disposição. Saiu. Sem oportunidades internas, fez como o Saramago, que se pisgou para Laçarote ou coisa assim, e partiu para o desterro.
Levou na mala a vontade de um dia regressar pela porta grande e, em Manchester, encontrou por fim condições para ganhar qualquer coisa. Ali teve também a premonição que o atormenta: se ficasse tempo suficiente, poderia um dia substituir Alex Ferguson. A natureza das suas funções actuais é motivo de discussão: para alguns… quer-se dizer, para o José Manuel Delgado, ele é o estratega por detrás dos êxitos do Manchester United; para a generalidade da população, ele recolhe os pinos e as bolas no final dos treinos e distribui os coletes amarelos e azuis antes da peladinha.
Como o proverbial hamster pedalando continuamente na roda, Queiroz vive do sonho de um dia suceder a Ferguson. Puro engano. Tal como o hamster nunca terá velocidade para superar a rotação do brinquedo, Queiroz também não conseguirá nunca mostrar que é o melhor candidato para o cargo. Mas nem o hamster, nem o professor, têm noção da limitação.
É por isso que acredito que Queiroz, se for convidado, dirá “não” à selecção. A sua quimera prossegue.
E o técnico dirá a Madail o que disse a Luís Filipe Vieira há algumas semanas:
- Sair agora? Não vê que estou quase a ultrapassar a roda?
[*Recordo aos advogados do professor Queiroz que isto é um blogue ficcional. Evidentemente, como os leitores depreenderam, nós nunca pensámos que o professor nos tivesse aldabrado!]