Há muitos anos que defendo que existem duas coisas genuinamente perversas no futebol português: os dirigentes que usam o blazer sobre os ombros, sem preencher as mangas; e a arbitragem. Há quem diga que o primeiro problema que identifico é uma palermice, mas isso são leitores sem sentido estético. Recordo que foi mais ou menos assim que começou a Alemanha nazi.
Ocupemo-nos hoje, porém, da arbitragem, uma área que eu, na minha ingenuidade, cuidei ter remédio com a instrução do Apito Dourado.
Há genericamente duas formas de apreciar a arbitragem em Portugal: um núcleo de pessoas considera que os árbitros deveriam ser deixados em paz, que são seres humanos como os outros, que erram como qualquer um de nós, que têm todo o direito de se divertirem com as prostitutas que quiserem, de jantarem com os dirigentes que entenderem ou de participarem em orgias nas ilhas que preferirem. Esse núcleo de pessoas é constituído genericamente… por árbitros. Há depois outro grupo, um pouco mais vasto, que entende que a nossa arbitragem está para o futebol como as fístulas estão para o pus: são canais que permitem a progressão da inflamação. E, nas infecções como no futebol, há que ter a certeza de que o pus escorre, viscoso mas alegre, na direcção desejada.
Na semana passada, no Tribunal de Gondomar, um dos arguidos do processo Apito Dourado – José Luís Oliveira – teve uma intervenção memorável que, só por malícia, não foi ainda incluída nos anais da retórica jurídica. Disse o senhor que as ofertas com que o SC Gondomar semanalmente contemplava os trios de arbitragem não faziam parte de uma estratégia de aliciamento dos juízes. Segundo ele, os relógios, as orgias, os jantares, as orgias, as pulseiras e as orgias não serviam para ganhar os favores dos árbitros. Cruzes, credo, que sugestão! Destinavam-se, pura e simplesmente, a garantir que árbitro e auxiliares não prejudicariam o clube.
Da mesma forma que, ao estacionarmos o carro, damos dois euros ao arrumador, não para pagar o serviço de estacionamento, mas para garantirmos que o carro não será riscado, com os árbitros paga-se antecipadamente, por prevenção, para impedir a viciação dos resultados desportivos.
A argumentação é promissora e raramente foi ensaiada por um arguido. Abre-se, aliás, um novo campo de defesa: o construtor imobiliário paga uma comissão antecipada à câmara municipal para garantir que não será prejudicado no futuro concurso público, o violador avança para a moça para garantir que não será por ela desflorado, o presidente do Benfica telefona ao major para receber garantias de que o árbitro nomeado não o vai burlar e, porque não?, o assassino perpre… prepretr… pertetra… errr… mata a vítima para evitar que esta o golpeie.
Neste estado de coisas, para lá da gargalhada sonora reservada ao arguido Oliveira, impõe-se uma pergunta decisiva aos dirigentes do Sporting: não estará na altura de providenciar uma orgia aos Olegários e companhia? Não para solicitar auxílio, alarves!
Para prevenção.