A Farsa
Uma rosa continua a ser uma rosa, mesmo que lhe chamemos outra coisa — William Shakespeare
(Eu, pelo menos, julgo que é de Shakespeare. Pode ser só uma epígrafe que eu li nos azulejos da estação de metro do Parque, mas parece-me que é de Shakespeare. Ou, pelo menos, pode ser. Tenho um amigo que leu metade das “Alegres Comadres de Windsor” e ele diz que isto tem todo o ar de ser de Shakespeare)
O Apito Dourado é um processo judicial que, apesar de todo o ruído, assenta num único pressuposto: na capacidade de os dirigentes do FC Porto codificarem intenções criminosas em frases com duplo significado. “Chocolates” seriam, segundo o Ministério Público, prostitutas mulatas; o “papa” seria o presidente do FC Porto; “fruta da época” seria um grupo de prostitutas recém-chegadas ao bordel e por aí fora.
Confesso que não estou convencido.
Em mais de vinte e cinco anos de trabalho no FC Porto, ninguém escutou de Reinaldo Teles mais do que grunhidos ou ocasionais monossílabos. Sinceramente, não consigo associar ao vice-presidente do FC Porto a capacidade de codificação elaborada, que costumamos ver nos espiões mais requintados. Reinaldo Teles parece-me mais o tipo de indivíduo que, se no acto sexual lhe falarem em preliminares, ele perguntará se são os jogos de apuramento para a final. Não é – repito – o protótipo do espião.
Há duas semanas, o “Público” trazia à estampa mais um excerto de uma escuta entre Reinaldo Teles e um árbitro. A dado passo da conversa, o dirigente do FC Porto dizia:
“O prior da nossa paróquia quer mesmo ajudá-lo. E há fruta da época ou chocolates para si, se fizer um bom trabalho.”
Bem sei que no Ministério Público querem mesmo encontrar provas de que Pinto da Costa é responsável por toda a corrupção do futebol português, pelo escândalo da dona Branca, pelo massacre de Darfur e pelo êxito daqueles rapazes romenos que cantavam em cima de um avião e pareciam mais femininos do que a Dina, mas eu gostava de explorar uma hipótese alternativa.
E se Reinaldo Teles não estivesse a falar em código? E se o prior em causa fosse mesmo o padre Júlio, da paróquia da Prelada? Imaginemos que o árbitro Jacinto Paixão mais não era do que uma ovelha tresmalhada do rebanho dos céus, por quem Reinaldo Teles fez de samaritano. Posso dizer, em sua defesa, que quase todos os meus melhores amigos são samaritanos, mas muito poucos entre eles participam em orgias com prostitutas em «boîtes» do Porto.
Não me custa, pois, a acreditar que quando Reinaldo Teles ofereceu fruta da época a Jacinto Paixão tinha em mente três ou quatro melões maduros e não necessariamente as porcarias que os senhores do Ministério Público se deitam logo a inventar.
E os chocolates?, perguntam. Talvez o vice-presidente do FC Porto, conhecendo as fraquezas do árbitro, lhe prometesse ainda uma tablete de Pantagruel ou um daqueles guarda-chuvas da Regina caso Jacinto voltasse ao presbitério.
É assim tão improvável?