Já passaram largas décadas sobre os trabalhos lapidares de Leite de Vasconcelos em Portugal. Para quem não sabe, Leite de Vasconcelos foi o pai da arqueologia portuguesa. Foi também o pai da filologia nacional, interessando-se por dialectos regionais como o mirandês, o barranquenho e as pessoas que deitam perdigotos quando falam. É possível ainda que Leite de Vasconcelos tenha sido também o pai de três fedelhos ranhosos não perfilhados, nascidos numa dessas serras anónimas do país, mas não contem comigo para espalhar boatos maldosos sobre a conduta do sôtor. Para todos os efeitos, os fedelhos nasceram por intervenção directa de Nossa Senhora dos Remédios.
Leite de Vasconcelos foi um pioneiro. Coube-lhe, num ensaio sobre poética quinhentista, descobrir a verdadeira motivação do soneto mais famoso de Camões. Na verdade, escreveu Leite de Vasconcelos em
Textos Archaicos, “o vesgo do Camões dedicou ‘Alma minha Gentil que te Partiste’ não à amada Dinamene, como dizem esses pseudos-líricos de pacotilha, mas a um árabe abichanado que por cá andou e se pisgou para Marrocos quando viu que o zarolho não desamparava a loja. O soneto deveria ler-se “Al-Maminha, gentil que te partiste”. E Camões deveria figurar, não como expoente da lírica petrarquiana, mas como eleitor do Bloco de Esquerda.”
“A meu ver”, concluiu, “o olho vesgo do poeta não era necessariamente aquele que os historiadores tradicionalmente designam.” Por maldade da academia, infelizmente, este texto invulgarmente franco tem sido esquecido nas revisões da obra de Leite de Vasconcelos.
Ora, apesar dos estudos revolucionários sobre os mirandeses, os barranquenhos e os fanhosos, Leite de Vasconcelos nunca se pronunciou sobre o futebolês. E foi pena. Teria tudo muito com que se entreter. No seu
Filologia Barranquenha - apontamentos para o seu estudo, Leite de Vasconcelos descreve como os barranquenhos têm vocabulário sazonal, adequando o discurso à época do ano e à actividade em que estão envolvidos. No futebol, também. Chegados a Abril, entramos inevitavelmente no discursos dos novos. Na proporção inversa do insucesso desportivo, começam a ser discutidos os novos qualquer coisa. Patric, hoje, tornou-se o novo Maicon. Chris será, sem dúvida, o novo Lúcio. Mantorras, agora que festejou finalmente o 20.ª aniversário, será o novo Eusébio. E por aí fora.
Ao estudar o mirandês, Leite de Vasconcelos disse também que o vocabulário de uso agrícola é utilizado noutros contextos da vida social. Disse também que a maior parte das frases são uma algarviada incompreensível e que Miranda do Douro precisava era de um Salazar, com dois filhos iguais ao Alberto João Jardim e ao Avelino Ferreira Torres, que pusessem ordem naquilo. Enigmáticas palavras, estas, mas repletas de sapiência.
Voltemos, porém, à vaca fria.
Também o futebolês recorre a outras linguagens para melhor expressar a sua complexidade. Há alturas da época em que os jornais fervilham de linguagem de ourives. Há jóias da coroa. Diamantes por lapidar. E pérolas preciosas com abundância. Noutras fases, mais técnicas, fala-se de futebol como se fôssemos todos funcionários dos serviços fiscais. Há jogadores que são abonos de família e outros que se tornam o seguro de vida da sua instituição. Com jeitinho, ainda verei o dia em que se dirá que o Moutinho é a retenção na fonte do Sporting ou que o Lucho é o artigo 56º do Código de IRS do FC Porto.
Até lá, porém, vale a pena considerar o Olegário como o benefício fiscal do Dragão.