Os budistas acreditam que são precisos anos de treino e concentração para um ser humano esvaziar o cérebro e adquirir novos mecanismos de aprendizagem mental. É evidente que os budistas, lá longe, na Chinatown que a Maria José Nogueira Pinto há-de fazer para eles, nunca leram o fórum do Record online. Não são precisos anos de treino. Para muitos, basta fazer o «login» e a mente esvazia-se num ápice.
Esta semana, debateu-se avidamente o número de
penalties de que o Sporting já beneficiou este ano: quatro em nove jogos de campeonato. Sacrilégio! Recordaram-se estatísticas de outros anos e soltaram-se muito perdigotos de indignação face às forças poderosas que auxiliam o clube, tecendo, na bruma, a teia que nos ampara.
Para os sportinguistas, tudo isto é novo, como calculam.
Os penalties são tão raros em Alvalade que, quando um árbitro timidamente assinala um, há muito boa gente que cuida que chegou o Dia do Juízo Final, isto até foi giro e tal, mas tudo o que é bom tem um fim e vamos lá então resolver isto a bem e decidir ordeiramente quem vai para o céu e para o inferno, não empurrem que chega para todos, eu tenho um primo que conhece o Vítor Melícias e isso deve contar para alguma coisa, e eis que um parágrafo inocente se tornou um texto do Saramago, Mil mistérios têm os desígnios da escrita e insondáveis são os desígnios da alma, Ó homem, não ponhas tantas vírgulas, Porra, Pilar, posso ter 100 anos mas ainda mando nas questões da pontuação, Está bem, homem, não te irrites, mas assim ninguém percebe nada, O campo debulhado será o que a ceifeira quiser, Não dizes coisa com coisa, mas não te esqueças que o jantar está pronto, Arre, que eu não nasci para isto, Nem eu, Quem é disse isso agora, Fui eu ou tu?, Já me confundiste, Olha, chama o narrador para ele pôr ordem na casa.
(retomando a ordem escorreita da argumentação)
Além disso, intriga-me a indignação alheia. A julgar pela forma como o Moutinho e o Liedson têm marcado as penalidades, dificilmente se pode falar destes castigos como pena capital. Em rigor, o único dano que um
penalty a nosso favor pode gerar é um joelho esfolado ao guarda-redes adversário.
Mas vamos ao números. Quatro grandes-penalidades em nove jogos não são
per si muitas ou poucas. Chamo a atenção dos senhores para o facto de uma equipa que ataca mais ter, à partida, mais hipóteses de chegar à área da outra. A situação é, a meu ver, comparável a uma estação de tratamento de águas residuais. Coloquem uma ETAR em Aguiar da Beira ou em Odeáxere e outra em Lisboa e verão que a contagem de colónias de coliformes fecais por mililitro será maior na ETAR de Lisboa do que nas outras. Não quero sugerir que as outras ETAR são menos nobres ou têm menos encanto, mas a vida é feita destas crueldades: há mais gente em Lisboa, logo... as colónias de coliformes fecais sentem-se mais felizes aqui para se multiplicar.
No futebol, é igual. Quem coloca mais gente para atacar, quem ataca durante mais tempo normalmente beneficia de mais
penalties. Se os senhores atacassem durante os 89 minutos do jogo e não guardassem para o fim as investidas, também os teriam – penalties, bem entendido, porque coliformes fecais há-os, e com fartura!
Em remate, cuido que seria igualmente útil analisar as grandes-penalidades marcadas contra cada um dos «grandes» e o Benfica também. Pelo menos, é o que se faz lá fora, no estrangeiro. E esse relato diz-nos que já foram marcadas duas penalidades contra o Sporting, uma contra o Benfica e nenhuma contra o FC Porto. No caso dos «dragões», que caminham a passos largos para festejar o 400.º dia desde o último «penalty» sofrido, até foi comovente ver a repugnância com que Carlos Xistra apitou para cada um dos quatro
penalties a que o Fátima teve direito, no célebre desempate da Taça da Liga. Mas esses, lamento, não contam.