Depois de José António Lima, António Lobo Antunes, Férenc Meszaros e José Quitério, temos a honra de apresentar o quinto colunista convidado do Mãos ao Ar. É verdade que não lhes pagamos. Na maior parte das vezes, nem sequer agradecemos. Mas, mesmo assim, esta gente continua a aceitar escrever aqui. Terão seguramente um pirolito a menos, mas nós aproveitamo-nos deles sem um pingo de vergonha.
Sem mais introduções, a prosa que se segue é da responsabilidade do Visigordo.
«Já todos nós ouvimos falar em mitos urbanos, mais localizados ou mais globais, todos nos questionámos por uma vez se tal fenómeno, assim e assado, seria verdade ou não.
Há um em particular que me entusiasma, e por mais que consulte nos jornais as páginas de classificados, não percebo onde é que está a falta de veracidade nisto. Falo obviamente do mito urbano da existência de 7 mulheres para cada homem.
Outros há igualmente interessantes, como a combustão espontânea, o Blair Witch Project à portuguesa na Serra de Sintra, o Holocausto visto pelo Nacional-Socialismo, etc.
É um nunca mais acabar de coisas que qualquer um de nós, com maior ou menor capacidade criativa, poderá inventar, só ficando dependente da nossa convicção na hora em que tivermos de puxar pelo poder argumentativo. Se se quiser reduzir as doses na capacidade criativa, convicção ou poder argumentativo, posso adiantar-vos desde já, que terão de aumentar em sentido proporcional a capacidade selectiva da plateia que vos ouve. O Homem sonha, o mito urbano aparece.
O que isto tem de bom é que, volta, não volta, dá-nos tema de conversa entre imperiais e caracóis, possibilita-nos meter conversa no elevador com aquela secretária que trabalha no terceiro piso e pode-nos até chegar a servir de desculpa quando a esposa já nos espera a uma hora que nem nós sabemos qual é. O que tem de mau é.....bem, no fundo não é nada, não aquece nem arrefece.
Há no entanto um, e não querendo entrar em questões transcendentais, esotéricas, teológicas, e, nem no tarot da Maya, ao qual é impossível ficar indiferente. O Benfica!
Eu sei que o Benfica dos sextos lugares, do Vale e Azevedo, dos 7-0, dos 7-1, do Veiga e do Vieira, o Benfica que nada ganha, não é um mito, infelizmente ele existe. Assim como existe uma prova palpável, incontornável na arquitectura lisboeta, da sua existência, um bloco de cimento, vulgo mamarracho, a que orgulhosamente os seus adeptos chamam de catedral. Se acreditasse em Deus, de cada vez que se chama àquilo catedral, acredito que Deus diria “Valha-me minha nossa senhora!”.
Não falando de um estudante do antigo 9º ano de Art & Design, afinal não adiantaria grande coisa à prosa opiniões especializadas ( a conversa poderia tornar-se demasiado técnica), mas aos olhos, por exemplo, de qualquer moça nova aprendiz de bordados e bilros, aquilo não é mais do que um vómito de cimento que o bairro de Benfica teve, um protesto das entranhas da Terra que não estavam preparadas para deglutir um Colombo ali tão perto com uma sobremesa daquelas. O Al Gore bem avisa que é preciso preservar, mas parece que ninguém o ouve.
Não! Não falo desse Benfica. Esse é o Benfica que existe, de facto. Falo do outro, do mito urbano. Só que este é um daqueles mitos urbanos que chateiam, qual melga em noite de Verão, que, por mais que se sacuda, teima em largar o seu bzzzzz na nossa orelha para nos atormentar. Falo daquelas melgas que, já sabem que se chegam perto, apanham. Mas têm sempre, durante a noite inteira de fazer bzzzzz, nem que seja a uma distância em que, mesmo no escuro, não é possível provocar-lhes um traumatismo craniano.
Desde sempre que guardo na memória uma frase que ouvi repetidas vezes a um avô meu: “O que é demais, é moléstia!”.
Vem isto a propósito das demasiadas vezes que ouço: “campeões somos nós”; “somos os maiores do mundo”; “vivem em função de nós”; “se não fôssemos nós, vocês não existiam”, e a minha preferida, “contra tudo e contra todos”.
Nos últimos 10/20 anos, esta gente não ganha nem um décimo do que o que lhes permitiria tamanhas veleidades, no entanto, é vê-los por aí a comemorarem records do Guiness aos quais, os vencidos afirmaram nem saber existir tal coisa, não estarem minimamente preocupados com isso, porque mais do que isso têm eles, e isto sem contar com as gamebox lá do sitio vendidas este ano.
Nos últimos 10/20 anos, têm passado por enxovalhos atrás de enxovalhos e nem assim baixam a crista, comemoram a eleição do vigésimo clube mais rico do mundo (isto foi o que passou nos media, mas não foi do que se tratou), quando no dia seguinte pedem um empréstimo obrigacionista de 20 milhões para pagar um de 15.
Nos últimos 10/20 anos, queixam-se constantemente dos media e eu acho que nem Salazar, em Portugal, teve tão boa propaganda. Para os media, o Benfica também é o maior e o que os faz vender. O curioso é que quando há bronca no Benfica, as edições esgotam e tiram-se várias edições, afinal o povo gosta de rir. Quando não há...os resultados estão à vista, têm vindo por aí abaixo. Ou será um sinal de que cada vez são menos?
Nos últimos 10/20 anos, dizem ser 6 milhões, só em Portugal.. Pois serão, mas como é que chegaram a esse número? Através dos estudos que o seu presidente mandou fazer em que até conseguiu deportar alguns de cá para a Indochina? Expressem-no! Por exemplo, se o Sporting tivesse tamanha massa associativa, venderia a totalidade dos lugares do seu estádio no inicio de cada campeonato. O Benfica não o faz, porquê? Quando o Sporting está por baixo, nos jogos de campeonato, e não aqueles a meio da semana e a horas em que é suposto trabalhar-se, mete no mínimo 20.000/30.000 pessoas. Neste projecto de estádio da Luz já vi assistências que não deveriam ir além das 10.000. Trata-se de quantidade sem qualidade? (Quanto a esta, é simplesmente retórica).
Nos últimos 10/20 anos, chateiam tudo o que é gente adepta de qualquer outro clube e não têm a noção que se está tudo marimbando para eles. E é aqui que importa acabar com este mito urbano. Qual louco internado na ala esquizofrénica do Júlio de Matos, também eles deveriam ser internados.
Melhor, deveriam levar com um tratamento idêntico ao visionado no 1984 do Orwell, até concordarem que se estão a pôr em bicos de pés, e a seguir levavam com O Processo de Kafka, só até verem que também em Portugal existe mais do que um clube e nem todos queremos saber o que lá se passa. Ou pelo menos o que não seja para rir. Porquê, perguntariam? Lá está! Também eu passo pelo pelo mesmo Processo há imensos anos e pergunto-me porquê. Não entendo e custa-me a acreditar.
O curioso nisto tudo é que quando era pequeno e já ligava ao futebol, o Benfica até ia ganhando uma coisita ou outra e não me lembro deste constante zurzir do “campeões somos nós” existir.
A actual geração de fãs do Benfica é doentia, melhor, é doente e precisa de acompanhamento. Só vêm o Benfica campeão, gritam a plenos pulmões que ninguém os pára, quando é raro o borra-botas que não o faz, e já vêm o Barbas e o Jorge Máximo a serem canonizados.
Como tudo isto se passa só em sonhos, Carl Jung talvez conseguisse explicar.
Eu não.»