A rábula do cuzinho
Há 20 anos, Raúl Águas, um dos muitos desgraçados que passou por Alvalade, chocou o universo sportinguista ao lembrar, naquele tom de voz de acólito lamechas, que equipas como a nossa não têm estaleca para mais do que uma competição. Para usar as palavras dele, o Sporting não tem "cuzinho para se sentar em duas cadeiras". Não tinha há 20 anos e muito menos tem agora, sobretudo quando as Uefas chegam à fase séria.
Em jeito de balanço, já ganhámos uns trocos, tirámos fotografias com o Messi e o Ribery e podemos concentrar-nos na competição da piolheira, esperando ganhar um número suficiente de pontos para poder sair da piolheira para o ano e ser espezinhados em mais algum estádio da Europa, em experiência que, estou certo, será revigorante. É injusto, porém, dizer que não ganhámos nada com a experiência: ganhámos milhas no Tap Victoria, o programa de passageiros frequentes da transportadora nacional.
Liev Tolstoi escreveu que as famílias felizes não têm história. Felizmente, o escritor não conhecia o Sporting ou juntaria material para mais 300 páginas do “Guerra e Paz”.
"Ricos em sonhos, mas pobres, pobres em ouro" - podia ser o lema da campanha das Gameboxes de 2009/2010. Eis como se juntam, na mesma prosa moralista, referências improváveis ao Raúl Águas, à Tap, ao Tolstoi e à Floribella.
Ai que falta ela fez naquele meio-campo! A Floribella, não o Tolstoi, entenda-se)
(P.S.: Recordei hoje a célebre entrevista do cantor José Crispim, ele mesmo o do duo "Ele e Ela", que é para os senhores verem que, na semana em que o país discute se a pintura do Courbet é arte ou porno, as referências culturais do Mãos ao Ar são ricas e recomendáveis. Pois o Crispim expressou o momento de viragem fundamental da sua carreira, dizendo: "Gravava muito valor, mas não vendia nada. Então, passei a gravar merda e as coisas compuseram-se!"
Bento, está na altura de deixares de gravar muito valor.)