Não lerão hoje olimPIADAS aqui...
Seria demasiado fácil. Poderia recordar o velho hábito grego de partir os pratos a seguir à refeição como expressão do desapego material e sugerir que o Olimpiakos refinou a prática, quebrando a bilha do Benfica. Mas não o farei.
Há algo mais importante para contar.
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Ontem, cumpriram-se 20 anos sobre a última ocasião em que o Vítor Damas subiu a um relvado para defender a baliza do Sporting. Tinha 41 anos e, 444 jogos depois, quis o destino que ele se despedisse em Viseu, contra o Académico local, e não em Alvalade, junto dos seus. À época, o Sporting era treinado pelo uruguaio Pedro Rocha, o que vale por dizer que o Sporting baloiçava sem treinador, como um barco de mastro partido.
No plantel, coabitavam mais dois guarda-redes. O Vital era uma espécie de Quim mas mais bem penteado e sem nunca ter enfardado onze golos no espaço de uma semana, proeza muito valorizada hoje em dia; e Rodolfo Rodriguez era um corpo estranho que a astronomia normalmente designa por estrela carente, ou coisa assim, e cujas exibições eram tão agradáveis de presenciar como assistir a um espectáculo de tinta a secar numa parede.
Qualquer um deles tinha enormes qualidades, já se vê, mas as suas carreiras foram prejudicadas por suspeita de ambliopia, o chamado sintoma do “olho vago” ou “olho preguiçoso” que, sendo chato na maioria das profissões, pode prejudicar um pouco mais a tarefa de um guarda-redes. Mesmo assim, Rocha optou por utilizar o Damas em apenas 11 jogos dessa temporada. Mesmo depois de o mítico número 1 lhe ter garantido SOZINHO a qualificação em Amesterdão (1-2), frente ao poderoso Ajax.
Nessa altura, lembro-me de o Pedro Rocha assegurar que era boa ideia o Damas sentar-se no banco. E toda a gente no Sporting pensou: “Que boa ideia, o Pedro Rocha ainda vai chegar longe no clube!” Depois, a ideia do Pedro Rocha atirou-nos para a segunda metade da tabela. E o Pedro Rocha foi trabalhar para o refeitório e nunca mais dele se ouviu um pio.
Fosse como fosse, de 27 de Novembro de 1988 até ao final da época, não voltei a ter o privilégio de ver o Vítor Damas em acção. Em compensação, experimentei o doce privilégio de ver o Rodriguez enfardar vários cabazes de três golos e deliciei-me com a cabeçada frontal que o Vital enfiou no poste esquerdo da baliza do topo sul, num Sporting-Benfica, tentando, em vão, evitar um golo do Benfica. Não me recordo bem, mas creio que o poste ganhou ao Vital por dois pontos na fontanela mastóide a zero.
Por manifesta crueldade dos meus pais, que aliás nunca lhes perdoei, nasci depois da maior exibição do Damas com a camisola do Sporting. Foi em 1971, contra o Glasgow Rangers. Não vi, mas contaram-me em sussurro, como é tradicional fazer-se quando se transmitem verdades universais, que o Damas estava possuído nessa noite. Que os escoceses o quiseram levar de imediato. Que Alvalade se despediu dele, aplaudindo-o longamente de pé, esquecendo a eliminação que nos tocara. E que, no fim do jogo, o Damas recolheu com nobreza a toalha do fundo da baliza, fez um aceno simples para a bancada – um ligeiro movimento, imperceptível das bancadas – e recolheu, sereno, ao balneário.
Tenho saudades de ter um ídolo no Sporting.