O velho exemplo é repetido até à exaustão pelos melhores especialistas em processo penal que a nação tem para oferecer e também pelo Moita Flores. Al Capone foi encarcerado, não por crimes de sangue, mas pelos crimes de evasão fiscal. Diz-se, aliás, que o seu lapso imperdoável foi não ter discriminado o custo da banda filarmónica que tocou na sua boda nos impressos que o Teixeira dos Santos agora nos obriga a preencher.
Pelo mesmo raciocínio, Pinto da Costa pode ser engavetado, não por criar uma rede nauseabunda de corrupção de árbitros, mas por subverter um obscuro jogo entre o Beira-Mar e o FC Porto, disputado “só” na temporada em que os «dragões» foram campeões europeus.
Surpreende que, depois de escrutínio tão rigoroso às contas e movimentos do presidente do FC Porto, a super-equipa de investigação tenha produzido isto: um encontro de hora e meia com um desgraçado de um árbitro que ninguém conhece e que tem todo o ar de quem desconhece o lado certo para abordar a utilização de um bidé. À escala, dá a impressão de que, depois de acusar Pinto da Costa de desenvolver armas de destruição maciça, Maria José Morgado se orgulha de levar o presidente do FC Porto a julgamento por posse de arco e flecha. Também está bem, mas impressiona menos.
Não me interpretem mal. Será divertido assistir ao julgamento e descobrir a vocação judicial de José Manuel Delgado em “A Bola”, fiel caixa de ressonância do pensamento de Vieira, embora sem os “huums” e “hamms” que tanto cativam no filósofo original. A feira que por certo se levantará à porta do tribunal será lúdica e instrutiva. Basta ler o comentário de Mano Nunes, à época presidente dos aveirenses, para adivinhar o que aí vem. Diz o senhor que não se lembra bem do jogo, mas que o Beira-Mar foi espoliado seguramente porque isso acontecia sempre. Mano Nunes é aquilo que o jargão técnico dos advogados chama “uma testemunha imbecil”, mas que o Novo Código Penal renomeou como, e cito, “um consumo injustificado de oxigénio”.
O processo teve, pelo menos, o mérito de reconciliar o presidente do FC Porto com a devoção religiosa que os seus biógrafos tanto aclamam. Ontem, no Rádio Clube Português, lá falou da santinha da Ladeira, da virgem dos descamisados e dos sonos perturbados por pesadelos inclementes que estarão guardados para os seus críticos. Esperava mais. Pinto da Costa parece ter perdido a verve de outrora, a habilidade inigualável para baralhar qualquer discussão e reapresentá-la subordinada à sua argumentação (lembram-se como a penhora fiscal de 1995 se tornou o gozo da nação com a retrete do ministro Catroga?) O presidente do FC Porto fez lembrar a donzela medieval que, colocada perante a inevitabilidade de passar pelos garfos do vilão, lhe lembrou que ele poderia tomar-lhe o corpo, mas nunca o espírito e a mente. Humm? Então, está bem!
Se me permitem a expressão de um desejo, gostaria de ver Pinto da Costa livre deste processo pouco sério em que se tornou o Apito Dourado. Livre desta Carolina que, como Leonor Pinhão ajuizadamente lembrou, não é moça para mentir às três pancadas. (No caso dela, proponho apenas uma, seca e forte, na nuca, como se faz aos coelhos.) Dizia eu que espero ver Pinto da Costa absolvido desta acusação fundamentada com saliva. E, depois, já livre, mas seguramente chamuscado pelo caso, espero vê-lo abdicar pelo próprio pé de qualquer cargo no futebol português. A bem do seu legado.
E, já agora, para ver se o Sporting ganha uma me**da qualquer.