Mãos ao ar

Blogue de discussão desportiva. Qualquer semelhança entre este blogue e uma fonte de informação credível é pura coincidência e não foi minimamente prevista pelos seus autores. Desde já nos penitenciamos se, acidentalmente, relatarmos uma informação com um fundo de verdade. Não era, nem é, nossa intenção.

quarta-feira, novembro 30, 2005

Ensaio Sobre a Cegueira

Retirado de "A Bola" de ontem. Dispensam-se comentários.

«À beira de um ataque de nervos

NÃO é fácil abordar um tema tão delicado quanto os prejuízos e benefícios de uma equipa em matéria de erros de arbitragem. Numa Liga em que os equívocos se têm sucedido, muitas vezes de forma grosseira, na Luz já ninguém disfarça a revolta. A BOLA faz uma análise objectiva de todos os casos. José Veiga, Ronald Koeman e os jogadores do Benfica parecem estar à beira de um ataque de nervos. Na Luz entende-se que o clube tem sido sistematicamente prejudicado, com claro reflexo na actual pontuação e posição classificativa. Com ou sem razão? O nosso jornal responde a esta pergunta através de uma análise objectiva dos factos. O ponto de partida reside nas apreciações feitas por A BOLA ao trabalho dos árbitros, em cada jogo do Benfica, nas quais são enunciados os erros cometidos e as decisões acertadas. Esclarece-se ainda que aqui não é feita qualquer relação erros de arbitragem/ perda de pontos/ classificação actual. Em boa verdade ninguém pode fazer contas tão subjectivas pois é impossível saber ao certo que rumo tomariam os jogos no caso de as decisões terem sido tomadas ao contrário. Por outro lado há erros em jogos que o Benfica venceu. A conclusão é de que o Benfica tem realmente razões de queixa em várias situações, num total de seis penalties não assinalados (três contra o Gil Vicente, um com o E. Amadora e dois com o Belenenses), três golos sofridos em fora-de-jogo (Naval, Rio Ave e Sp. Braga) e três expulsões perdoadas aos adversários (Carlitos, do Gil Vicente, Luís Loureiro, do Sporting e Barrionuevo, do Penafiel). Do outro lado da balança estão a grande penalidade (inexistente) frente ao Sp. Braga e a não expulsão dePetit pela entrada sobre Targino, no jogo com o V. Guimarães. Uma referência ainda para o fora-de-jogo mal tirado anteontem a Romeu, do Belenenses, embora no âmbito deste trabalho não sejam contabilizados os foras-de-jogo mal assinalados (também aí os encarnados têm motivos para protestar), mas sim os não assinalados e que resultaram em golos. Outras situações houve em que o árbitro mereceu o benefício da dúvida: casos do golo anulado ao E. Amadora na Luz.
Uma última nota para referir que, nas restantes competições nacionais, o golo que valeu ao Benfica a conquista da Supertaça foi obtido na sequência de uma falta de Geovanni que não foi assinalada.»

A Táctica para o Dragão

Manter um olho no burro [Adriaanse] e outro no cigano [Quaresma].

segunda-feira, novembro 28, 2005

Assim Também Não

Não costumo invejar os jogadores dos outros, muito menos do Benfica. Mas abro uma excepção [neste momento, creio, perdi metade da clientela]. Gosto de ver Petit. [lá se foi o resto do auditório]. Gosto de o ver em acção, distribuindo pontapé e canelada como um turco seljúcida na batalha de Manzikert.
Se o futebol é o bailado das classes desfavorecidas, Petit é aquele marreta que tem como obrigação dar com o cajado três vezes no chão [para aqueles que pensavam que eu era erudito, aqui fica o esclarecimento]. Aliás, se o deixassem, ele levaria o cajado, ou o bastão, de bom grado para dentro de campo.
Mas, brincadeiras à parte, a entrega do homem é contagiante. É daqueles que não se poupa, que luta por todas as bolas e que esbraceja como um louco mesmo quando o afogamento está quase consumado. No jogo de Paris, levou uma pancada do camaronês do Lille que só posso comparar ao golpe de um lenhador desenraizando um eucalipto. Tremeu, mas não caiu. E a coxear voltou para o campo de batalha, rangendo os dentes e praguejando. É impossível olhar para aquele exemplo e não ficar inspirado. Nas batalhas, há gente desta. Gente que, contra as probabilidades, carrega de baioneta, à maluca, sobre o fogo de canhão. Normalmente, morre e arrasta dezenas de inocentes para uma carnificina, mas isso agora não vem ao caso.
É fácil não gostar de Petit. Ele é feio. Brutalmente feio. Freddy-Kruger-feio. Tem um timbre de voz que parece o do cantor Zé Cabra — voz tremente e irritante como o balido de uma ovelha. Também é burro. Irreversivelmente burro. Tino-de-Rans-Burro. Suponho que, nas palestras antes dos jogos, enquanto Koeman fala, Peti coça pensativamente a cabeça.
– Percebeste, Petit?
- Pode repetir aquela parte do pressing, mister?
– Vai lá para dentro e espanca-os.
- Ah, isso percebi!
Do campo, tem Petit uma noção muito bipolar. Há colegas e há alvos. Os alvos são para tentar descolar do chão, abalroar ou terraplenar, conforme a disposição. Mas, repito, uma equipa precisa de jogadores que deixem a sua impressão em campo. (no caso da carga sobre Targino (V. Guimarães) há um mês, a impressão até ficou gravada no calcanhar do vimarenense).
Imagino Petit fora do futebol e vejo-o como funcionário de uma empresa de compactação de materiais, daquelas que transformam os carros velhos em cubos metálicos de 1m por 1m. Ou como cobaia humana para experiências químicas potencialmente fatais.
Mas Petit faz falta ao futebol. Corrijo: Petit faz faltas no futebol. Não, volto a corrigir: Petit é indispensável ao Benfica. Sem ele, a equipa fica frágil, torna-se risível. Arrasta-se penosamente sem alma. E isso eu também não quero!

Agora Já o Quero…

Ahem… Actualizando a informação do post "Alguém o Quer?", venho informar que, esta semana, já quero o Carlos Martins outra vez.

sexta-feira, novembro 25, 2005

O Coro dos Ranhosos

A esperança do cronista sem escrúpulos, enquanto faz malabarismo com as palavras e subverte intencionalmente sentidos, é a mesma do político burlão: que ninguém dê conta de que as suas palavras são ocas. Da minha parte, a artimanha é simples: crio um fogo de artifício tal que confundo o leitor e o impeço de dar conta do conteúdo da crónica. Mas vou revelar um segredo: na maior parte das vezes, não há conteúdo palpável. Não é uma confissão lá muito nobre, mas, como diria Confúcio, aqueles que querem ouvir violinos vão ao cinema (está por fazer o estudo das analogias absurdas de Confúcio).
Mal compro a agenda para o ano que se segue, sublinho rapidamente as datas relevantes - aniversários, feriados, potenciais "pontes", mais "pontes" que ninguém adivinha, os dias em que vou folgar, os dias em que vou meter baixa, os dias em que vou solicitar o "cumprimento de funções religiosas" (não imaginam o manancial que são as folgas geradas por motivos religiosos). Normalmente, sobram-me doze dias úteis por ano. Já adivinhou decerto: trabalho para o Estado.
Entre os dias que destaco está sempre o 25 de Novembro. Não por motivos políticos, credo. Cultivo tanto a política como o Guerra Madaleno a estética capilar.
O 25 de Novembro marca o aniversário do dia mais feliz da minha existência.
Lembro-me como se fosse ontem [entra a música de fundo]. Estava frio naquele início de noite, mas não em excesso. Pela cidade, as ruas estavam mais desertas do que uma assembleia de voto em dia de eleição. Parecia que uma força misteriosa ordenara aos seres humanos que se refugiassem em casa. Papéis amarrotados esvoaçavam ao sabor da brisa. Não havia no ar qualquer sinal de anormalidade para lá do inexplicável vazio das ruas.
Entrei em casa, mais cansado do que o normal, porque na repartição retiraram o Minesweeper do computador e não pude evitar atender um ou dois municípes. O vizinho do lado e os respectivos fedelhos, habitualmente mais ruidosos do que uma tuna académica, estavam calados. Querem ver que saíram? Uma galheta rasgou o ar, embatendo violentamente na maçã do rosto de um dos ranhosos. Ná. Estavam em casa. E avaliar pelo zumbido que a mão fez enquanto vencia o atrito, o Benfica sofreu um golo.
Consegue-se sempre adivinhar os golos sofridos pelo Benfica pelo impacte das estaladas. Estalada forte, mais com os dedos do que com a palma da mão: golo de cabeça. Estalada sonora, de mão cheia: golo de fora da área. Estalada com as costas da mão: golo de penalty. Murro rompe-cabeças: frango do Moreira (ou do Nereu).
Nesta gloriosa noite de 25 de Novembro de 1999, houve estaladas para todos os gostos. O Celta esmagou o Benfica por 7-0, e dois dos fedelhos foram internados com hematomas faciais profundos. Faz hoje seis anos. Parabéns, Celta.

Recordar o Grande Balakov

Com a chancela do Tackle Deslizante, a recordação do grande Balakov. Aqui.
Para ler e deixar testemunho.

quinta-feira, novembro 24, 2005

Não se Ganha com Miúdos

No primeiro jogo da Premier League de 1995, o comentador Alan Hansen (esse mesmo, o das narrações da Playstation) olhou para a equipa titular do Manchester United, onde pontificavam os jovens Beckham, Scholles, Neville I e II, Butt e Giggs, e postulou: "Não se ganham títulos com miúdos, é tão simples como isso."
A frase perseguiu-o até final da temporada. O Man. United venceu o campeonato com miúdos no onze principal e Hansen tornou-se tão ridículo que lhe restou dar voz aos simuladores de Playstation. Onde continua a ser ridículo, mas desta vez em CD.
Ora, há duas semanas que o "nosso" João Querido Manha (JQM), das tribunas onde o deixam arengar, matraqueia a mesma tecla em relação ao Sporting. Di-lo com a certeza dos justos, porque os deuses segredaram a JQM que não se ganham títulos com um meio-campo formado por Moutinho (19 anos), Nani (19) e Custódio (21). Curvo-me respeitosamente perante JQM, a quem os deuses confidenciam verdades absolutas, e sinto uma ponta de inveja. A mim, pobre blogger, os deuses nem sequer me confidenciam de antemão se o Tourizense-Benfica da Taça vai ser jogado em Coimbra ou no Algarve. Onde, como se sabe, o Tourizense tem amplas falanges de apoio.
Mas divagamos.
JQM, magnânime, partilha estas confidências connosco, com ligeiro enfado, próprio de quem tem de explicar à populaça uma coisa tão óbvia como a impossibilidade de ganhar títulos com um meio-campo dotado das referidas características.
E porque não se ganham títulos com miúdos de 19 anos? Aí, receio, JQM é um pouco mais evasivo. Porque os "jogadores de 19 anos pensam como miúdos de 19 anos". Agem como miúdos de 19 anos, acrescento. E, atrevo-me até a sugerir, correm como miúdos de 19 anos. É natural, pois, que uma equipa formada por jogadores que pensam, agem e correm como miúdos de 19 anos seja tão desadequada como um heterossexual a subir o Chiado num sábado à tarde.
É óbvio que não se pode extrapolar o caso inglês para o português - a começar pelo facto de Alan Hansen ter sido tricampeão europeu como jogador e João Querido Manha ser... enfim, João Querido Manha. Alan Hansen é reconhecido como ex-internacional escocês (26 internacionalizações). JQM é reconhecido como bebedor de uísque escocês. Alan Hansen foi um grande jogador, que proferiu uma frase infeliz. JQM foi jornalista do "Record", onde a capacidade de escrever frases infelizes faz parte das especificações profissionais. A começar pelo tonto que assina na última página um texto que, com boa vontade, se pode classificar como crónica.
Naturalmente também que Miguel Garcia não é bem Gary Neville. Nani não é bem David Beckham. Moutinho não chega a ser Paul Scholes. E sobretudo Paulo Bento não é bem Alex Ferguson. Mas acho fascinante que os deuses falem com JQM e lhe contem coisas destas. É certo que Cristo já falara com Alexandra Solnado (aqui), Joana d'Arc já trocara impressões com Deus e o próprio António Manuel Ribeiro não falou, mas devia ter falado, com Fernando Pessoa, antes de publicar aquelas aberrações poéticas (aqui). Foram precedentes perigosos.
Dou por mim a pensar que só se é alguém [e António Manuel Ribeiro, com a sua poética ousada é definitivamente alguém] depois de privar uns momentos com personalidades já extintas. Para a semana, portanto, falarei a sós com o barão Pierre de Coubertin e, juntos, abordaremos o tema: Por que motivo o olimpismo só tem jeito com gregos nus em pelota e as mulheres despachadas para fora de Olímpia. Depois desse momento sobrenatural, quero ver quem me vai tomar por tonto.
De todo o modo, por enquanto, cuido que algo está terrivelmente errado no reino dos céus quando se escolhem interlocutores como JQM. Quase preferia que os deuses dessem a JQM o dom de falar em televisão sem parecer um mentecapto.
Eu disse quase...

quarta-feira, novembro 23, 2005

Federaçao de Blogs de Futebol

O Mãos ao Ar tem o prazer de informar que aderiu à iniciativa do blogue BnR B – a Federação dos Blogs de Futebol. Regulamento, condições de participação e outras informações aqui.

Se é blogueiro de futebol, junte-se a nós e aumente o número de inscritos.
Se consulta blogues de futebol, também pode votar numa das categorias.
Se chegou aqui por engano, via Google, à procura de "caboverdianas nuas" ou "húngaras avantajadas", repetimos, pela última vez, que não prestamos esse tipo de serviços. Queira experimentar a SAD do FC Porto.

Saudações desportivas.

terça-feira, novembro 22, 2005

Perdão aos Suricatas

Há semanas, no rescaldo do Benfica-Lille, considerei que a equipa francesa tinha sensivelmente o mesmo peso hierárquico na UEFA que o suricata na cadeia alimentar do Kalahari. Cabe-me hoje, com humildade, pedir penitência aos simpáticos carnívoros: as minhas palavras foram claramente injustas. O Lille é muito, mas mesmo muito, pior do que isso. Com estratégias e emboscadas, os suricatas lá vão conseguindo matar um ou outro escorpião. O Lille não conseguiria marcar um golo, mesmo que Claude Puel amarrasse o guarda-redes adversário à bandeirola de canto e o espancasse com um pé-de-cabra.
Comparo os 180 minutos dos dois jogos com uma sessão contínua de cinema português subsidiado pelo ICAM, projectado na Cinemateca e narrado com a eloquência do João Mário Grilo. Mesmo assim, julgo que, colocado perante a terrível escolha, optaria pela tortura cinéfila em prejuízo do jogo de Paris. Sempre veria acção programada por um guião e um mínimo de encadeamento. Caramba! Comparado com o jogo de ontem, até os motins de Paris foram razoavelmente organizados.
Espremido, bem espremido, super espremido, retiro do jogo o inovador método que o recuperador físico Rudolfo Moura colocou em prática: a chamada "alta de combate". Os poderes medicinais de Moura são lendários e colocam-no ao nível de um Panoramix ou do mago Alexandrino. Dói a coxa? Calca o pé com força e vai lá para dentro. Uma cotovelada na orelha? Lá para dentro. Uma distensão muscular? Lá para dentro? Uma fractura exposta? Lá para dentro. Um olho vazado? Lá para dentro. Uma perna amputada? Não me faças rir - coxeia lá para dentro.
Tenho para mim, aliás, que Miccoli só conseguiu ser substituído com uma mísera rotura muscular no momento em que Rudolfo Moura estava entretido a coser o ombro do Nuno Gomes e a colocar a rótula de Petit na posição original (posição morfológica, aliás, alvo de intenso debate no último congresso de veterinária charolesa). Não fosse isso, e o italiano atarracado receberia a mesma resposta dos outros: lá para dentro, que isso passa! Com Rudolfo Moura ao leme do Serviço Nacional de Saúde, as listas de espera para cirurgia acabavam em dois dias.
Apesar de tudo, é justo que os benfiquistas não desesperem, mesmo agora, quando a vida parece não ter solução. E que se lembrem das palavras sábias, mas enigmáticas, da minha velha avó: por muito tristes que as perspectivas pareçam agora, elas não serão tão más como as de um servo da gleba no século XII! Provavelmente, não serão. Excepto, claro, se a perspectiva de sobrevivência depender da capacidade organizadora de um artista oxigenado como o Beto. Nesse caso, mal por mal, venha a gleba. Sempre tem mais dignidade.

P.S.: A propósito do jogo, não resisto a deixar uma sugestão de leitura. Sigam para aqui para ler "Boi branco? Boi preto? Um boi de todo o tamanho!" Muito bom. Com a chancela do BnR B.

segunda-feira, novembro 21, 2005

A Prova dos Nove

O Questionário dos Questionários

1 – Acha que o defesa Nelson é…
a) A melhor coisa que aconteceu ao futebol português desde Veloso
b) Um lateral banal, como tantos outros
c) Um atleta desengonçado e sem sentido de orientação.

2 – O presidente ideal do meu clube…
a) Deve ser malandro e ter bigode farfalhudo
b) Deve saber a diferença fundamental entre crédito e débito
c) Deve ter noções de gestão mais elaboradas do que a tabuada do nove

3 – Uma viagem presidencial aos Estados Unidos é…
a) Uma medida visionária para vender kits.
b) Uma perda de tempo de um pateta
c) Uma exploração grosseira da palermice dos emigrantes

4 – Comente a frase: O Benfica à Benfica…
a) É o lema do mô clube
b) É um lema de homens da caverna
c) A manchete de “A Bola” semana sim, semana não

5 – Eusébio é a pantera…
a) Negra
b) Ébria
c) Tonta

6 – Beber vinho à fartazana é…
a) A atitude de um bom chefe de família
b) A atitude de um alcoólico inveterado
c) A rotina do Toni e do Vilarinho

7 – O Benfica perdeu em Braga…
a) Por causa do árbitro
b) Apesar da ajuda do árbitro
c) Porque Koeman colocou Quim à baliza

8 – Um penalty marcado contra o Benfica é…
a) Um crime de lesa-pátria
b) Uma contradição de termos
c) Uma casualidade do próprio jogo

9 – Luís Filipe Vieira trata por tu…
a) Os agentes da grande finança
b) Os dealers do Casal Ventoso
c) Toda a gente

10 – O jornal “A Bola” é…
a) A Bíblia do Desporto
b) O Pravda do Desporto
c) Um gasto de papel e tinta

11) O ex-ascensorista José Veiga vai conseguir um dia…
a) Tornar o Benfica campeão europeu
b) Transformar o Benfica no Alverca
c) Articular o sujeito com o predicado

13) A faixa de campeão 2004/2005 deveria ter sido atribuída…
a) Ao capitão do Benfica – Campeões somos nós
b) Ao capitão do Sporting
c) Ao presidente da APAF

Se respondeu a) a todas as perguntas, o seu computador destruir-se-á nos próximos segundos, mas nada de pânicos. O seu cérebro demorará tempo a processar a informação e tempo é coisa que, aí, na prisão de Custóias, você tem para dar e vender!

quinta-feira, novembro 17, 2005

Solidariedades…

Nos últimos dois meses, fomos inundados por comoventes narrativas relatando o difícil quotidiano de alguns emblemas históricos. Pessoalmente, não partilho desta recém-descoberta solidariedade e muito menos concordo com José Manuel Delgado, quando ele escrevia ontem em "A Bola" que cabe à Liga e à FPF sair em defesa dos desventurados. Não cabe.
Recapitulemos porque, chegada a altura do choradinho, parece que as desgraças caíram do céu por maldade divina.
1) Os clubes em causa endividaram-se para além das posses.
2) Produziram e aprovaram orçamentos desajustados.
3) Fizeram concorrência desleal com os adversários que cumpriram a lei e as obrigações.
4) Esqueceram as obrigações sociais para com o Estado português.
5) Não perderam todos os jogos como o Sporting, como deveriam.
Com que justificação deveria a Liga ou a FPF acudir a estes e não a outros? Pior: se acudisse a estes, alguém poderia, no seu devido juízo, garantir que eles não voltariam a falhar compromissos nos próximos anos?
Confesso que, amargo e vingativo como sou, sinto tremendo júbilo ao ver a Ovarense entre o grupo de vítimas – da mesma forma que rejubilei com a decadência do Salgueiros no Verão passado. E da mesma forma que espero, num futuro próximo, festejar o fecho do Desportivo de Chaves. Explico-me melhor.
A maior parte dos adeptos tem ódio visceral pelo rival histórico da sua colectividade, formando pólos de carga contrária, como Sporting e Benfica, Belenenses e Atlético, FC Porto e Boavista, Braga e Guimarães e por aí fora. Isso é bonito e é saudável. Aliás, olhando para os distúrbios que se seguiram ao último Guimarães-Braga, não só é saudável, como pedagógico. É revigorante ver toda aquela rapaziada jovem a esticar as pernas e a fazer exercício!
Para além dos rivais tradicionais, há pequenos ódios de estimação, fomentados por episódios isolados do passado. No meu caso – e julgo que partilho esta opinião com mais sportinguistas –, o Salgueiros, a Ovarense e o Chaves merecem-me profunda repugnância.
Em 1993/1994, a Ovarense despoletou, com a cumplicidade da FPF dirigida por Vítor Vasques, o chamado Caso Luís Manuel. Falsificou contratos, alegando que o Sporting deveria pagar 80 mil contos pela contratação de Luís Manuel. A contestação federativa arrastou-se, e o Sporting foi impedido de inscrever jogadores na segunda metade da temporada de 1993/1994. Oceano e Lula, dois reforços já assegurados, só foram inscritos na temporada seguinte. Longos meses mais tarde, foi dada razão ao Sporting, mas o título, esse, já lá ia.
Em 1995/1996, o Sporting foi jogar a Chaves. Começou mal o jogo e sofreu um golo. Na segunda parte, recuperou. Caiu em cima dos transmontanos e empatou a poucos minutos do fim. Preparava-se o assalto final à defesa do Chaves, quando a luz do estádio foi propositadamente apagada. Sem luz (embora a cidade mantivesse a iluminação), o jogo foi interrompido. Os minutos que faltavam foram disputados semanas depois, já sem fulgor. O Chaves, esse, desceu de divisão dois anos depois para não mais voltar.
E resta o Salgueiros. Na última jornada de 1999/2000, o Sporting jogava no Vidal Pinheiro e o FC Porto em Barcelos. Decidia-se o título. A direcção presidida pelo mesmo anormal que agora fechou as portas do clube estipulou que os adeptos do clube visitante deveriam pagar 30 contos por bilhete. A alegria da conquista do título nesse dia foi só diminuída pela tristeza de não ver o Salgueiros entre os despromovidos. Aí, sim, teria sido um dia em cheio.
Por isso, tenham paciência, mas que o diabo carregue estes e outros emblemas. Proponho até que, à boa maneira medieval, esquartejem os despojos e os espetem em postes para servir de exemplo! Aqui jaz a secção de futebol do Salgueiros, clube de pilha-galinhas executado em 2 de Setembro de 2005. Que encontre seis palmos debaixo da terra a honestidade que não teve em vida.

quarta-feira, novembro 16, 2005

E pagam-lhes?!

Muitos de vós, seguidores atentos do fenómeno futebolístico, põem-se a par do que se passa através da leitura dessa aberração que é haver três jornais desportivos diários. Outros, decididos a não pactuar com as gordas manchetes encarnadas ou com o fervor clubístico tão escarrapachado nas capas, preferem seguir as notícias através da internet ou através de blogues. Eu, num estranho fenómeno de auto-flagelação, consumo tudo o que diz respeito ao pontapé na bola – jornais desportivos, não desportivos, o jornal do metro, o Dica do Dia, os folhetos dos hipermercados, o jornal da região, os jornais on line, chats, fóruns, blogues e programas televisivos. É superior a mim, mesmo que o Sporting não ganhe.
Muitos de vós, também, iniciaram-se nestas lides da leitura, particularmente aqueles que rondam os 30 anos ou mais, pelo jornal “A Bola”. Seguiam avidamente as suculentas narrativas de “monstros sagrados” do jornalismo como Aurélio Márcio, Homero Serpa, Carlos Pinhão, Cruz dos Santos, Santos Neves, Carlos Miranda, Bruno Santos, que me fez vibrar com as peripécias heróicas da Volta à França, e até, em tempos mais recentes, nacos de prosa de Vítor Santos, Afonso de Melo e João Alves da Costa, este embrenhado num estranho mundo só seu. Mas todos, sem excepção, foram autores de verdadeiros hinos jornalísticos.
Hoje, olha-se para as páginas de “A Bola” e, tirando uma ou outra excepção, nota-se uma tristeza confrangedora. Uma quantidade de banalidades, de míseras apreciações, de futilidades, de manipulações e de facciosismo, sobretudo facciosismo. Poderiam salvar-se os autores das páginas de opinião, mas aí, lamentavelmente, “A Bola” deu guarida a uns quantos mentecaptos – mentecaptos e facciosos. Lembro-me, por exemplo, das crónicas de Miguel Sousa Tavares, que destilava ódio em cada palavra e onde Lisboa era a capital do império do mal. Para o autor do agradavelmente surpreendente “Equador”, havia uma cabala à escala planetária contra o FC Porto, que vencia, vencia e vencia contra tudo e contra todos, árbitros, organismos, entidades e aquilo a que apelidava de roubos de igreja. E logo, estranhamente, numa década em que os portistas dominavam tudo o que era árbitro, organismo e entidade e em que as rédeas do poder estavam na posse de Pinto da Costa e dos guardas Abel deste mundo.
Mas pior que Tavares veio revelar-se Leonor Pinhão. Ao que sobrava no primeiro em verve, escasseia em Pinhão no discurso confuso. Tavares era coerente no seu mundo pintado de azul, Pinhão distribui incoerentemente fogo contra tudo o que mexe, fazendo a faixa de Gaza parecer um paraíso turístico. Leonor Pinhão é um cocktail Molotov em pessoa, como se liderasse uma intifada só sua. O Benfica era um coitadinho, vítima da inveja dos outros “grandes” e até dos maiores clubes mundiais; depois, foi a telenovela que inventou meses a fio – mesmo assim melhores que a chatice dos filmes do seu marido/companheiro – sobre o facto de o Sporting não ter tido nenhum penalty contra durante ano e meio; seguiu-se uma xaropada infindável devido ao Sporting ter tido 14 penalties a favor no ano do último título; agora arma-se em paladina dos clubes pequenos que são tão vilmente roubados em Alvalade ou no Dragão. Leonor Pinhão tem pelo menos dois problemas – é cega e tem a memória curta.
O que mais me custa é “desconfiar” que é paga para escrever tamanhas barbaridades. Se “A Bola” quer alguém que escreva coerentemente e que seja faccioso, porque raio não há-de o Bulhão Pato ter direito a escrever uma crónica no tablóide da Queimada?

P.S. – Encheu-me de júbilo a eliminação do Uruguai às mãos da Austrália. Pode ser que, a partir de agora, A FIFA se aperceba que o campeão da Oceânia vale mais que o 5.º classificado do torneio sul-americano. Boa, “kiwies”!

terça-feira, novembro 15, 2005

Sermão aos Peixes

Estou desapontado convosco, leitores. Esperava mais. Mais empenho, mais entrega, mais entusiasmo. Poderia fazer um exercício de autocrítica, mas a culpa não é minha. É vossa. Exclusivamente vossa.
Como Luther King, eu tive um sonho. Desta vez, não foi com a Valentina Torres (arrgh!). Sonhei com uma petição que, tal qual o kit do Benfica, ousasse penetrar em todos os lares e arrancasse os portugueses da letargia. Pedi-vos uma corrente de solidariedade mais forte do que o Live Aid e, em troca, deram-me uma causa com menos adeptos do que o Nova Democracia. Três, para ser mais preciso, já incluindo o Manel Monteiro, a esposa e o filho que já tem idade para votar.
Sonhei que uma petição reabilitaria Vale e Azevedo e levá-lo-ia de volta ao trono de onde foi rudemente afastado. Sonhei que um pedaço de espaço virtual geraria um modelo parsoniano voluntarista da acção (já contei que costumo sonhar com sociólogos utilitaristas? Acontece muito).
Ao fim de quinze dias, a petição está mais vazia do que um concerto dos Delfins. Não vos toquei a alma? Não vos comovi? Reunimos apenas 46 signatários, o que é pouco. Mais público do que isso teve o Luís Filipe Vieira dançando em truces na festa do futsal do Benfica e não creio que o espectáculo dele seja melhor do que o nosso. Nunca me viram de truces, recordo.
Aborrece-vos que só possam votar uma vez? Façam batota, viciem, enganem. As petições online, como as assembleias-gerais do Benfica e as nomeações da APAF, foram feitas para serem manipuladas. Têm pudor em trapacear uma iniciativa solidária? A vossa acção choca com o imperativo categórico kantiano? Ora, caros amigos, lembrem-se da máxima do nosso Vale: "Numa folha branca de um contrato, eu vejo a semente para criar riqueza. A minha, preferencialmente." Fosse Kant português, e vivo - que também é importante -, e ele seria do Benfica. Bigode, já tinha!
Peço-vos... não. Rogo-vos que copiem o link e mandem e-mails em barda. Assinem dez vezes com nomes diferentes. Dêem o nome de colegas, amantes, agentes de liberdade condicional. Testemunhas da Casa Pia. Reabilitem a Pide e bufem, bufem muito. Se têm heterónimos, votem por eles. Se de noite são travestis, votem pelo ele e pela ela que há em vós. Se têm ébola, votem rapidamente... antes que o baço vaze para o teclado.
Aos leitores que mais vezes votarem, o Mãos ao Ar distribuirá pêlos reais das sobrancelhas de Guerra Madaleno (1m por 60cm), verdadeiras jóias da indústria embalsamadora. *
Parafraseando Luís Filipe Vieira, vaiam ao site e deiam o vosso contributo.

* Oferta limitada ao stock existente.

segunda-feira, novembro 14, 2005

Conto Infantil

Era uma vez uma cigarra muito, muito convencida. De tão convencida, a cigarra recusava ver méritos na vizinha formiga. Deitava-se sobre as loas que outros lhe entoavam e descansava. Cantava, cantava todo o dia, mas não acumulava nada para os dias mais frios. Ao lado, a formiga trabalhava arduamente. Acumulava para o futuro, mesmo que os periódicos do quintal só tivessem olhos para a cigarra. Já estava habituada a ler que havia seis milhões de adeptos da cigarra, mas custava-lhe que todas as cigarras tivessem amplas pilosidades, arrotassem depois de beber a seiva e exalassem um forte e desagradável odor a biomassa vegetal.
Ora, chegado o sábado, todo o quintal parava para ler o “Expresso”. Era uma instituição, dizia-se entre a bicharada, embora todos achassem que o jornal cheirava a mofo e que as suas notícias pareciam encomendadas.
Neste sábado em particular, a formiga leu a primeira página e riu, riu até lhe doer a glândula metapleural. Dizia o pasquim que a escola de formação da cigarra ia gerar ídolos à imagem de Cech, Nélson, Jorge Andrade, Deco e Thierry Henry. Mas que estranho, pensou a formiga. Dali não sai nada há mais de uma década. Da última fornada decente que a vizinha produzira, ainda o muro de Berlim estava de pé. Ora, se ela não tem academia, se tem um recrutamento vergonhoso, se tem equipas técnicas de valor duvidoso e se não tem representação expressiva nas selecções, como vai ela gerar essas criaturas de eleição?
A formiga leu mais. Hom’essa! Teria perdido algum boletim da Sociedade Entomológica? Estaria na presença da famosa geração Ovomaltine, à qual se junta uma colher e água e mexe-se bem para gerar um craque? Até que a formiga deu conta que o grande promotor da reabilitação da cigarra era um Carraça. E aí a formiga não evitou uma sonora e franca gargalhada. Mas esse Carraça não era aquele pateta que foi líder sindical do quintal e saiu para ganhar 20 mil euros de ordenado? * – pensou. Está bem entregue, riu-se a formiga. Com estrategas daquela arte, a cigarra vai passar fominha no Inverno.

* Ver por exemplo aqui.

domingo, novembro 13, 2005

Ensaio Sobre a Teimosia

Luiz Felipe Scolari é teimoso. Indesculpavelmente teimoso. Nesse ponto, seguidores e detractores concordam sem reservas. É seguramente entre gente desta fibra que se recrutam testemunhas de Jeová ou vendedores de enciclopédias. Sem favor nenhum, Scolari daria um excelente vendedor porta-a-porta de “A Sentinela”. Parece que o escuto, pregando à mocidade:
«Pô, a orientação de Romanos 2:21 é para levar à letra. Não discute, não. Nunca aceitei transfusão de sangue na vida e não é agora, quando a imprensa toda pede, que eu vou aceitar.”
Scolari não cede um milímetro das suas convicções à pressão de adeptos, imprensa ou colegas de profissão. Diria até que retira das críticas indisfarçável prazer. Ele é o proverbial maquinista que avança numa linha onde os carris, por vezes, faltam, mas conduz a locomotiva movido pela fé suprema de que nada de mau lhe acontecerá. Não sei se isso faz dele um louco ou um profeta.
Antes do Euro’2004, fui a Aveiro assistir a um inenarrável Portugal-Grécia. Mimoseado com vaias contínuas, o seleccionador parecia agradado, satisfeito, como se retirasse força da contestação. Não o incomoda minimamente que um estádio em peso não queira Ricardo, assobie Miguel (agora, porque o Miguel, agora, já é mau!), prefira Nuno Gomes a Pauleta ou Petit a Maniche. Isso não é necessariamente negativo! Os iluminados de bancada não têm sempre razão – excepto quando, pontualmente, vaiam no mesmo sentido que eu. Aí já têm!
Scolari faz-me lembrar o meu velho instrutor de condução. Perante cada cruzamento, eu guinava para um lado, ele para o outro. Invariavelmente, aconteciam duas coisas: o carro obedecia ao técnico qualificado (protocolos!) e, ao fim da aula, parávamos na oficina para consertar a direcção. As escolhas de Scolari são dogmas irrefutáveis. Da mesma forma que Cristo, Alá ou Buda não se discutem, as opções de Scolari também não. Fica a pergunta: essa estratégia levará Scolari e os seus pupilos a bom porto? É que a mim não levou: espatifei o carro no primeiro dia encartado.
Eu admiro o seleccionador nacional. E não comecem já as más línguas a associar a minha preferência à exclusão de Vítor Baía ou à perda de titularidade de Simão e Nuno Gomes. É evidente que, com essas medidas higiénicas, Scolari calou fundo no meu coração. Mas nem é esse o meu argumento. Em oito décadas de história da selecção, foi raro o timoneiro que assumiu as suas opções e ignorou a crítica. Até à chegada de Scolari, o seleccionador nacional era, por definição, um homem de consensos, de meios termos, de cautelas e caldos de galinha. A escolha de convocados obedecia a quotas clubísticas. Você é do FC Porto e representa um milhão e meio de adeptos? Com certeza, tem direito a quatro internacionais «A» e cinco «sub-21».Você é do Sp. Braga? Oh, que pena! Só temos uma vaga na selecção de sub-17.
Para o melhor e para o pior, esse modelo acabou. Custou o lugar de Baía, Conceição e agora de Couto, mas acabou.
Não quer isso dizer que Scolari seja perfeito. Não é. É uma mula teimosa, obstinada, que guina o carro só pelo prazer de demonstrar que é ele que detém o volante. No consulado de Scolari, criaturas descoordenadas como Luís Loureiro, Ricardo Rocha ou João Alves ganharam honras de internacional. Frechaut e Rogério Matias? Servem apenas, e sob reserva, para escudo humano em bairros da periferia de Paris. Sob alguns ângulos, a selecção é tal qual uma repartição de finanças, onde cada funcionário tem direito ao seu lugar até ao fim dos tempos. E onde tudo depende do humor do chefe.
Mesmo assim, Scolari é o meu seleccionador. E venha o Mundial da Alemanha.

P.S.: Mais informações sobre testemunhas de Jeová podem ser encontradas na Sociedade Torre de Vigia. Ou junto de um dos simpáticos evangelistas porta-a-porta do seu bairro. Lembre-se: se Filipe estudou com o etíope, você também aprender connosco.

sexta-feira, novembro 11, 2005

Cortar Braços

Entre grupos de sportinguistas é comum ouvir-se que os fundadores do Sporting inventaram o eclectismo no desporto português. É, como se sabe, uma afirmação falsa. Os fundadores do Sporting, para além de inventarem o eclectismo no desporto português, inventaram também o cronómetro electrónico, os golos de pontapé de bicicleta, a democracia participativa e o pastel de massa folhada!
Desportistas pioneiros, com um ou outro desvio comportamental [que atire a primeira pedra aquele que nunca cobiçou a perna peluda do colega de equipa], estimularam a tradição que viria a tornar-se património genético do clube durante todo o século XX: o eclectismo assente na premissa de que o futebol, embora fundamental, não canibalizaria as outras modalidades. Que me desculpem os adeptos do Benfica e do FC Porto, mas o eclectismo é o legado histórico por excelência do Sporting.
Com esta ideia em mente, atletas do Sporting deram corpo aos principais feitos portugueses do século XX… É capaz de haver algum exagero nesta frase. No século XX, sempre houve dois prémios Nobel portugueses, uma guerra colonial, uma travessia transatlântica de avião, um ou outro concerto da Amália em Paris e uma exposição mundial em Lisboa. Mas há quem diga que estes feitos ridículos não se comparam às medalhas do Lopes, às pedaladas do Agostinho, aos tiros do Armando Marques, aos golos do Manel Brito e do António Livramento ou aos cestos da fabulosa equipa de basquetebol de 1982. Quem poderia dizer essa barbaridade? Eu.
Todo este património terminou abruptamente em 1995. Porventura a maior parte dos sportinguistas não deu conta, mas cumprem-se este mês dez anos sobre o famigerado referendo imposto aos sócios pelo elenco de Santana Lopes.
Com a capacidade intelectual que o caracteriza e que muitos comparam ao chimpanzés de Gombe que Jane Goodall estudou, o então presidente do Sporting determinou que o clube não poderia suportar o orçamento das modalidades ditas amadoras. Foi então proposto um referendo aos sócios, mas o processo foi mais falso do que um trio de arbitragem em jogo do FC Porto. Assumiu-se que o atletismo continuaria no clube independentemente da vontade dos sócios. O hóquei e o voleibol foram liminarmente extintos, antes de qualquer escrutínio. A decisão limitou-se, pois, à escolha entre o basquetebol e o andebol.
Para mim, a proposta foi especialmente dura. Significava escolher qual dos braços preferia amputar, sabendo que as duas pernas [ler voleibol e hóquei] já estavam condenadas. Optei por nem votar para não legitimar a aldrabice. Essa é pelo menos a versão que gosto de contar. Aqui para nós, que ninguém nos ouve, eu nem tinha as quotas em dia por força da abusiva anuidade imposta pela direcção santanista aos sócios. Mas, enfim, parece mais convincente apresentar um argumento moral.
Ficaram então o andebol e o atletismo, mas não deixa de ser curioso que, nesta década, os orçamentos das duas secções caíram para cerca de 30% dos valores então praticados. O pavilhão e a Nave foram destruídos e não se contemplou a sua substituição no novo complexo (nem que fosse em Alcochete!). O eclectismo é hoje uma bandeira gasta, usada nos saraus de ginástica e nas reuniões de velhas glórias. Ah! E para sacar uns cobres ao Estado em troca dos incentivos ao desporto amador.
Com eleições já agendadas para 2006, permitam-me que pergunte aos candidatos já existentes e aos que entretanto aparecerem: será possível conhecer as posições de vossas excelências relativamente à continuidade das modalidades amadoras no Sporting? É que se o machado já vem a caminho para cortar o último braço, eu, pelo menos, gostava de ser previamente informado.

quinta-feira, novembro 10, 2005

Era a Onda, Era a Onda

Nota prévia: partes desta evocação podem vir a ser desmentidas pelos visados e podem não corresponder totalmente à verdade. Mas seguramente que os leitores do Mãos ao Ar não buscam aqui a verdade, nem nada tão prosaico como o facto real. Para isso, têm – e muito bem – a zelosa e cumpridora imprensa desportiva nacional.

Há quem, no auge da bebedeira, se aliste na Marinha ou na GNR. Outros perdem-se de tal maneira que acabam a noite no Trumps vestidos de bailarina de flamenco (sim, Sancho, é para ti). A mim, não foi a bebida que me perdeu. Foi o Sancho. Mas comecemos pelo princípio.
O Sancho era membro de uma associação pacifista de adeptos chamada Onda Verde, que ocupava a lateral norte do velho Alvalade na década de 1980.
Ora, nas curvas da vida, há maus amigos que desencaminham os jovens petizes influenciáveis para a droga, para o tunning ou para o elenco dos Morangos com Açúcar. O Sancho desencaminhou-me para a Onda Verde.
Antes de me alistar, lembro-me especificamente que ele descreveu a claque como um grupo de gente "muita gira", que ia com o Sporting para todo o lado e tinha coreografias de "cortar a respiração". Nunca, em circunstância alguma, o Sancho mencionou que, para ser da Onda Verde, era preciso preencher dois requisitos:
1) Estar loucamente apaixonado pela Rita Vilas Boas, a coqueluche da Onda e a menina fogosa (ponham fogosa nisso!) da ginástica leonina.
2) Estar predisposto a apanhar em todos os estádios do país.
A Onda Verde era o saco de pancada do futebol português. As visitas a qualquer lado eram inevitavelmente marcadas por pontapé e estalada de meia noite. Éramos recebidos pelos rivais com o mesmo carinho que um palestiniano sente por um colono israelita. Mas, ao lado do que enfardámos em míticas viagens a Portimão, Antas ou Bessa, os palestinianos e os israelitas são uns meninos!
Há quem evoque os estádios já visitados guardando os bilhetes dos jogos. Nós assinalávamos cada visita com cicatrizes e escoriações. No Bessa, partiram-me a rótula. Na visita ao Calhabé de Coimbra, furaram-me um tímpano. Do Municipal de Guimarães, saí de muletas. No Inverno, lembro-me sempre de Braga e do São Luís, em Faro, quando as articulações começam a ranger. Graças à Onda Verde, conheci muito bem, por dentro e por fora, os serviços de urgência hospitalar desse nosso Portugal.
Curiosamente, na Luz, a Onda Verde não enfardava. Corajosos como éramos, tentávamos misturar-nos com a Juve Leo e normalmente safávamo-nos. Excepto, claro, se a Juve Leo se fartasse de nós. Aí apanhávamos a valer. Ah! Os loucos anos’80…
Todas as histórias têm uma moral e esta não foge à regra. Em primeiro lugar, a Rita Vilas Boas não justificava o sacrifício, como aliás, anos mais tarde, amplamente se confirmou (ponham "amplamente" nisso!). Em segundo lugar, ao fim de algumas semanas, a coisa começou a perder a graça. É que, parecendo que não, apanhar quinzenalmente no focinho pode ser maçador. E pouco recompensador.
Por fim, apesar de laico, perdi completamente o medo ao inferno. Quem passou por aquele fim de tarde nas Antas, depois de um golo do Mário ter qualificado o Sporting para a final da Taça de Portugal, já não teme o inferno. Não pode ser pior do que um corredor de trogloditas com camisolas do Guomes, rosnando e mordendo, espumando de raiva e distribuindo coices! Encurralados, fizemos o que qualquer pessoa solidária faria: fugimos a sete pés e deixámos o Sancho para trás. Creio que foi a partir desse dia que ele ficou taralhoco e nunca mais disse coisa com coisa.
Não se perdeu muito...

Boas leituras

Do cativante blog Tackle Deslizante, faço, com a devida vénia, o link para o post "Faltam Luizinhos ao Sporting". Ler aqui.

Para os nostálgicos, como eu, recomendo vivamente uma tarde passada a ler o blog Cromo dos Cromos. É como se o baú das cadernetas e revistas antigas tivesse sido digitalizado. Viagem no tempo aconselhada aqui.

terça-feira, novembro 08, 2005

Alguém o Quer?

Há casos estranhos de paixão irracional. Não há motivos legítimos para as claques do Sporting idolatrarem Pinilla como um deus inca ou as do Benfica vibrarem loucamente com Mantorras. No passado, a loucura que Quinzinho despertava, sempre que entrava em campo com a camisola do FC Porto, desafiava a lógica e o bom senso.
Há jogadores assim. Geram paixões, mesmo que o seu contributo seja intermitente e o seu impacte na equipa não se meça em conquistas.
O sportinguista Carlos Martins é o meu caso de loucura irracional. Ele e Valentina Torres, bem entendido.
Analisando friamente, creio que Martins não somou mais do que dois ou três grandes jogos com a camisola do Sporting. É o protótipo do mariquinhas. Queixa-se por tudo e por nada. Protesta. Está sempre envolvido nas confusões e embrulhadas (vide jogo de Guimarães do ano passado). Se o colocam à direita, chateia-se e abdica de jogar. Se o posicionam à esquerda, amua e desinteressa-se da bola. Se o colocam ao meio, não era bem ali que ele queria jogar. Perde horas em permanente quezília com o mundo, com os colegas, os adversários, os treinadores. Se o Carlos fosse um animal (aliás é premissa que não ponho totalmente de parte), ele seria um jumento.
Há dez anos, ouvia-se falar de um miúdo especial nas camadas jovens do Sporting – tão genial como problemático. Era o Carlos. Há dez anos, tinha muita graça o culto do puto rebelde. Hoje, é quase insultuoso verificar que ele continua igual.
Nós, os indefectíveis martinistas (leia-se seguidores de Martins e não de Martinis), perdoamos-lhe tudo, sempre à espera do lançamento a 40 metros que nos faz vibrar ou do remate ao ângulo que mais ninguém consegue imitar (lembram-se do Sporting-Moreirense do ano passado?). Vivemos das migalhas que o Carlos, quando lhe dá a travadinha, faz o favor de distribuir.
O único problema deste fascínio assolapado é que, um dia, até o mais pacífico dos fãs se cansa. Tivesse o Carlos Martins um cérebro maior do que um amendoim e já teria percebido que está a chegar à fronteira da tolerância. Alvalade, creio, não é injusta, mas também não é franciscana nem tem eterna benevolência.
Um dia, os sócios e adeptos fartaram-se das palermices, queixumes e amuos do Litos e do Mário Jorge. Um dia, porventura próximo, Alvalade dirá “chega” ao Carlos Martins. E o mais triste de tudo é que o Carlos nunca perceberá porquê.

segunda-feira, novembro 07, 2005

Roubos de Igreja

A arbitragem ganha campeonatos? Há uma versão politicamente correcta e incrivelmente irritante, expressa na seguinte argumentação: não, a arbitragem não ganha títulos. No final da época, somados os erros a favor e contra, o balanço é equilibrado, até porque os árbitros são humanos e erram sem premeditação. A esses, os partidários da neutralidade e do fair-play, só tenho um pedido: voltem para a quermesse de onde saíram e entretenham-se com as rifas. Se querem ser bonzinhos e melhorar o mundo, preencham o cartão de dador de órgãos e ofereçam o baço à ciência. Ou o menisco ao Mantorras.
O futebol quer-se irracional. Há lá coisa mais pura e instintiva do que o coro melodioso de uma bancada trauteando a palavra “Gatuno” para a animália que, lá em baixo, nos espolia às cegas? Há lá coisa mais calorosa do que a expressão “boi preto” rompendo a noite fria como um clarão de esclarecimento? Há lá coisa mais bela do que o embalo doce do carro do árbitro, empurrado, ora para lá, ora para cá, pela turba sanguinária e ansiosa por retaliação? O som afável dos vidros estilhaçados? O odor intenso e reconfortante dos “cocktails molotov” atirados, como oferenda, para a via pública?
Não restam dúvidas no meu espírito que o árbitro designado para cada jogo do meu clube é o maior gatuno desde que o corretor Pedro Caldeira burlou metade de Lisboa. Aos cinco minutos, invariavelmente, queixo-me: “Isto vem encomendado!” Ao quarto de hora, já vi dois penalties indecentes e meia dúzia de agressões que passaram em claro. E eu sou o mais moderado do meu sector. No jogo com o Leiria, fui o único que disse que a bola salva pelo Ricardo estaria na pequena área – os outros garantiam que ele a desviara na marca de grande-penalidade!
Ao intervalo, metade da equipa «deles» já devia estar na rua. Aos 60/70 minutos, costumo ser desfibrilhado pela equipa de socorristas – uma palavra de apreço para eles. No final, explico todos os resultados com a arbitragem, o longo e obscuro tentáculo do polvo: se ganhámos, ganhámos contra tudo e contra todos; se empatámos, fomos indecentemente prejudicados por um árbitro habilidoso; se perdemos por um, «isto» só lá vai quando um destes carteiristas for espancado pela multidão justiceira. Se perdemos por mais do que dois, sou normalmente preso por atentado ao pudor.
Irracionais como eu há muitos, milhares mesmo, em todos os clubes e em todos os estádios. Só que há uns, felizardos, que são pagos para fazer a primeira página de “A Bola” nos dias a seguir aos jogos do Benfica!

sábado, novembro 05, 2005

No início era o verbo

O português, reconheça-se, é ardiloso. Cria alçapões aos incautos. Prega rasteiras aos ingénuos. Se o ensaísta Eduardo Lourenço casou com a língua portuguesa é mais que certo que Luís Filipe Vieira vive em pecaminoso incesto com dona gramática. Vieira é constantemente desarmado pelo predicado. O complemento indirecto é um marcador implacável. Os advérbios de modo não têm a coordenação posicional necessária e colocam-se vezes sem conta em fora de jogo perante a linha defensiva da pronúncia. Em declarações recentes proferidas na Casa do Benfica de Alguidar de Baixo, o presidente da Instituição falou sobre o jogo com o Villareal e o lapso do guarda-redes Rui Nereu. Em rigoroso exclusivo, apresentamos o discurso presidencial. Dos largos minutos de discurso extraímos as frases inteligíveis e a meia dúzia de palavras que, encadeadas, constituem de facto significância compatível. Para melhor compreensão, retirámos também as interjeições guturais.

«Estou desgostado com as críticas e colunárias dos jornais. Peço-vos encardidamente: não diguem mal do Rui Nereu. Não diguem! Não facem mal ao miúdo. O miúdo tem todo o direito de ter uma represália digna. (palmas tímidas)
Quero lembrar que duas andorinhas não fazem a minha prima Vera. Aliás, nos tempos que correm, já quase ninguém faz a minha prima Vera, coitadinha, que se reformou daquela vida.
Temos uma grande escola de formação. Do melhor que há. E o Rui Nereu é o poente máximo dessa aposta, a aresta mais visível do círculo mágico da nossa formação. Peço aos sócios: não diguem mal dele. Facem ouvidos de mergulhador e ignorem os jornais. Deiam uma oportunidade ao miúdo.
Ao contrário do que se escreveu, os jogadores do Villareal derem, derem, mas também apanharem que se fartarem. E isso ninguém disse! (aplausos na sala)
O Benfica tem uma política de verdade. Diguem o que disserem, estamos no futebol pela verdade. Queremos a clarificação das situações duplas e, se for preciso, recorremos às estâncias internacionais.
As pessoas têm de entender que os clubes são empresas e que notícias mentirosas adjudicam as instituições. Nós estavámos a negociar um acordo multifinanceiro com um investidor de grande montra e a oportunidade perdeu-se. Isto assim não dá.
Nós estamos no futebol pela verdade, como os sócios, aliás, hadem de concordar. E como diz o povo, quem diz a verdade não merece o Postiga. (ovação de pé)
Meus senhores, muito obrigado.»

sexta-feira, novembro 04, 2005

A fundação dos clubes

Os dois últimos posts do Bulhão Pato tocaram em assuntos que muito me dizem pessoalmente – a origem e a fundação dos clubes. Em relação ao Benfica 1908, a história já está toda contada e descrita minuciosamente pelo meu comparsa bloguista. Socorreu-se de declarações de antigos benfiquistas, remexeu baús, pesquisou na internet e passou horas a fio na hemeroteca. Depois dele, já nada há a acrescentar em relação à origem do clube e quem quiser consultar a verídica história da sua formação, é só ler uns posts abaixo – a verdade está lá, nua e crua.

Sobre o que não parece restarem dúvidas é a data de fundação do Sporting. Não é o Belas Futebol Clube de 1902, não é o Campo Grande FC de 1904, é o Sporting Clube de Portugal de 1906. Como é sabido, o clube resultou de uma cisão entre os membros fundadores do Campo Grande. Uns pretendiam a dedicação exclusiva ao desporto, outros pugnavam pela vertente social, onde as festas aristocratas ganhavam a primazia. Saltou discussão e foi então proferida a célebre frase de José Alvalade quando, amuado, se virou para os presentes e disse “Vou pedir dinheiro ao meu avô para fazer um clube novo!”. Saiu porta fora, juntamente com alguns apoiantes, e lá foi pedir a massa ao avô. A única frase que se conhece do visconde de Alvalade foi mais ou menos assim: “Ok, puto, toma lá o dinheiro mas vê bem o que fazes. Quero que seja um grande clube, tão grande como os maiores da Europa!”. Eis a história, daí a mania que os adeptos dos clubes rivais têm de dizer que os sportinguistas dão ares de aristocratas e que são netos e bisnetos de viscondes. Pois bem, somos, e então? Não é isso que faz de nós um clube de ricos, também há alguns sujeitos boçais nas bancadas de Alvalade, embora estejam longe do homo tipicus benfiquistus, de barriga a sair fora do cinto, botões da camisa soltos, camisola interior de alças branca cheia de nódoas e de palito no dente que assoma ligeiramente acima do farfalhudo bigode. Se é ou não bom chefe de família, isso já é outra história, assim como ser ou não um clube tão grande como os maiores da Europa, também é outra estória...

O Sporting foi fundado numa sala de uma mansão, não ao balcão de uma farmácia. Não é por aqui que se mede a grandeza de um clube, mas tais origens são sintomáticas do rumo que um clube pode tomar. Não me surpreende, por isso, que cada vez que vou a uma farmácia, todos os farmacêuticos que me atendem parecem hologramas do Luís Filipe Vieira.

Como não me surpreenderia saber que o Boavista foi fundado numa cafetaria por ingleses que tentavam atabalhoadamente filtrar doses industriais de cafeína, que o Belenenses tenha tido origem numa esconsa confeitaria de Belém (desculpa lá, Apre), que o Barreirense tenha sido formado a bordo de um arrastão do Tejo, que o Leixões tenha sido fundado por estivadores desempregados, que o Villarreal de Santo António tenha crescido na cidade portuguesa mais próxima da espanhola Valência.
Como também não me surpreende que o FC Porto seja o clube português mais antigo, tão antigo que não havia mais ninguém para jogar. Foi assim anos e anos a fio, em animadas peladinhas contra a sua própria sombra.

Direito de Resposta

Da direcção do Sport Lisboa e Benfica recebemos a seguinte missiva, que afixamos ao abrigo do direito de resposta consagrado na Lei de Imprensa.
«(…) Referem vossas excelências um episódio da fundação da Instituição que, enviesado tal como foi apresentado, transmite uma visão deturpada desse acto histórico. Cosme Damião foi, de facto, à farmácia Franco tratar de um ardor intenso na área interior do nalguedo, mas foi-lhe receitada, na hora, uma cápsula de alcachofra, que grande alívio e conforto trouxe ao nosso pioneiro.
Mais: em nenhum momento poderia Pedro Augusto Franco ter sugerido a Cosme Damião a utilização de uma toalha felpuda. Orgulhamo-nos dos hábitos espartanos incutidos na génese do clube. Quando muito, Pedro Augusto Franco poderia ter sugerido que Cosme Damião se enxaguasse com um lustroso pano de ráfia, mas, mesmo essa hipótese, carece de fundamentação documental. Não rebatemos a tanga de pele de leopardo usada com orgulho pelo nosso fundador, mas lembramos que a citada peça se destinava a uso em dias de festa. Poderia não ter sido requisitada naquela manhã gloriosa de 1904.
Protestamos também com a noção implícita de que todos os membros fundadores da Instituição sofreriam de problemas hemorroidais. A percepção é totalmente deturpada. Apenas seis dos 23 signatários da carta fundadora sofriam de fissuras ao nível das glândulas anorrectais. Os restantes padeciam apenas de sífilis. E o irmão do farmacêutico Franco queixava-se também de joanetes.
Informamos ainda que o cronista se documentou mal na apreciação da nomenclatura proposta por Damião. O nosso pioneiro não poderia ter mencionado o Benfica, pois o nome só nasceu em 1908, como toda a gente sabe, apesar da aldrabice da comemoração do centenário. O clube que nasce entre os frascos de bicarbonato de sódio e as cápsulas de óleo de fígado de bacalhau da farmácia Franco foi resultado da fusão entre a bem afamada Casa Pia de Lisboa e a Associação do Bem. Estas, por sua vez, tinham nascido de cisões no Grupo de Sopradores de Tuba da Ajuda, na Associação de Proprietários de Roças Esclavagistas no Príncipe, no Núcleo de Carteiristas e Engajadores do Bairro da Bica e na Caixa de Beneficiários das Vítimas da Pomada Barba-de-Bode. Terá sido esta última pujante instituição, bem activa naquele início de século, que induziu o cronista em erro.
Solicitamos honras de publicação em espaço semelhante ao do texto difamatório. Somos presidentes da Direcção, do Conselho Fiscal e da Assembleia Geral do Sport Lisboa e Benfica e proctologistas do Hospital da Estefânia.»

quarta-feira, novembro 02, 2005

Alegoria do Trabalho

Considero-me relativamente pouco preconceituoso em relação aos funcionários que trabalham no meu clube. Não faço questão de seleccionar o género dos trabalhadores – basta-me que se saiba se fulano é funcionário ou funcionária, que isto dos sexos já não é o que era, como aliás o Nené bem sabe. Não vejo motivos para privilegiar um credo religioso em detrimento dos outros, embora até ache que há poucos adventistas do sétimo dia integrados na estrutura do Sporting. As convicções políticas também não devem ser motivo de privilégio ou discriminação na altura de seleccionar um funcionário. Já lá tivemos de tudo, dos mais perigosos anarquistas aos mais peganhentos conservadores. O clube abanou, mas não caiu.
A idade também não deve ser motivo de exclusão, embora, como nota para o futuro, talvez fosse de bom tom remeter os casos evidentes de Alzheimer para sectores de menor importância da estrutura, como a área financeira, a contabilística ou a gestão de activos. Enfim, qualquer área onde se pudessem entreter.
Gozamos de injusta fama relacionada com as origens elitistas do clube, mas creio que qualquer instituição é elitista se comparada com uma agremiação de malfeitores nascida numa farmácia. Imaginem a cena:
Cosme Damião vai à farmácia Franco e trava histórico diálogo com o farmacêutico Pedro Augusto Franco.
- Ó sôr Pedro. Como vai passando?. A modos que os meus vasos sanguíneos da região anal se dilataram e me causam dor, desconforto e prurido..
- Ó diabo, sôr Cosme. O senhor não tem tino. Aquela bicicleta é para ser montada com selim.
- Bem sei, bem sei. Mas de maneiras que me faço esquecido.
- Pois é, mas a hemorróida é mais levada da breca do que sua alteza, o rei D. Carlos. A modos que o meu amigo deve lavar a região anal com água, após a evacuação, e deve enxaguar com toalha felpuda. Além disso, se o meu bom e viril amigo utilizasse roupas íntimas de algodão em vez dessa tanga de pele de leopardo, talvez lhe doesse menos.
- Essa da toalha felpuda fez-me lembrar que há muito tempo que não fundo um clube.
- Ora, ora. Catita! Estando o meu amigo em Belém, como vai chamar ao seu clube?
- Pode ser... Benfica. Faz todo o sentido.
É evidente que o diálogo é ficcional, até porque não são muitos os farmacêuticos com conhecimentos de proctologia. E o único indício que temos de que Cosme Damião poderia sofrer de hemorróidas é o seu bigode voluptuoso. Indício ténue, é certo, mas revelador.
Mas dizia eu que também não faz sentido seleccionar a força de produção com base no pedigree social. Excepto, claro, se a medida servir para afastar do Sporting a linhagem de Jorge Gonçalves. Nessa caso, o pedigree deve ser utilizado abundantemente na triagem.
Tudo isto para contar que esta manhã, no Multidesportivo do Sporting, decidi na minha ingenuidade que desejava comer uma sanduíche de fiambre. Arrogância a minha! "Não trabalhamos com fiambre", anunciou a funcionária. Lá me convenceu a aceitar uma sanduíche de manteiga porque com lacticínios, felizmente, o Sporting trabalha. Ocorreu-me, enquanto dava graças pela feliz coincidência de o Sporting também trabalhar com café, que há funcionários no clube claramente deslocados das funções para as quais estariam habilitados. A senhora em causa, por exemplo, poderia escrever discursos para o ex-presidente Dias da Cunha. Piores do que a lengalenga do sistema não deveriam ser.

terça-feira, novembro 01, 2005

Ídolos com Pés de Barro

Sou leitor convicto e obcecado do jornal “A Bola”. Sou tão dependente de “A Bola” como Calado de Melão ou Valentina Torres (uma das minhas fixações) de Armando Gama. Considero o jornal da Travessa da Queimada uma importante bolsa de conhecimento antropológico e uma fonte inesgotável de gags involuntários. "A Bola" é como aquele avô velhote, que conta as maiores patranhas enquanto se engasga e verte em gás o resultado do avantajado almoço. Mas à "Bola" e ao avô perdoa-se tudo.
“A Bola”, está claro, não é um jornal, como a maior parte do mundo ocidental entende a imprensa. “A Bola” é um manifesto publicista. Ela existe com o único fim de glorificar as conquistas esporádicas do Benfica e menosprezar as derrotas quotidianas do clube. Sem o Benfica, “A Bola” não existiria. Perderia a sua razão de existência. Definharia sem motivo. Seria mesmo capaz, num acesso de loucura inédita, de fazer manchete com uma vitória do FC Porto (ver esta proposta). Mas aí estaríamos num universo ficcional, onde o Bibi não teria dívidas fiscais, Luís Filipe Vieira saberia ler as instrucções de um boletim de voto, Eusébio conseguiria conjugar verbos no conjuntivo e Cavaco Silva conseguiria comer bolo-rei de boca fechada. Mas aí, repito, estaríamos no universo da ficção.
“A Bola” não necessita de combater os rivais no mercado. Postulou para a posteridade que é a Bíblia do Desporto, que muita gente por esse país fora aprendeu a ler nas suas páginas e que o jornal está para o Portugal do século XX como o livro vermelho estava para a revolução cultural chinesa. São mitos. Nada mais. Valem pouco ou nada, mas “A Bola” funciona um pouco como a Sé de Lisboa: já ninguém a consulta, mas sentimo-nos todos um bocadinho melhor porque ela existe!
Dizia eu que “A Bola” limita-se a ser um órgão de campanha do Benfica. Lê-se o jornal com a mesma ânsia inquisidora com que devoramos o “Povo Livre” para saber o que pensa o PSD ou o “Avante” para conhecer as posições políticas do PCP. Vale por isso.
Mas tenho para mim que a fúria panfletista do jornal acaba por prejudicar o clube encarnado. De memória, recordo por exemplo que Akwá já foi o novo Eusébio, Padinha já foi o novo Carlos Manuel, Rui Baião estava a destinado a fazer esquecer Rui Costa, Hugo Leal era o novo menino-prodígio do futebol benfiquista, Bruno Caires tinha tudo para fazer esquecer Elzo e por aí adiante. Há dois verões, o defesa brasileiro Cristiano, contratado ao Beira-Mar e autor de uma senhora pré-época, conseguia finalmente fazer esquecer os anos goleadores dos defesas Mozer, Ricardo e Aldair. Este Verão, a honra propagandística coube a Beto, outro craque recrutado ao Beira-Mar e que, segundo José Manuel Delgado, fazia lembrar Makelelé. Até fazia, se o Makelelé tivesse cabelo louro, fosse desengonçado, não pudesse com uma gata pelo rabo ou não tivesse a mínima noção do que devia fazer em campo. Parecendo que não, há poucas diferenças entre ambos.
O mais recente prodígio chama-se Rui Nereu. Terão os leitores benfiquistas paciência, mas Nereu é o maior desastre público desde que os Delfins anunciaram que não terminariam a carreira. No ano passado, na obscuridade dos juniores, custou ao Benfica o título com uma exibição desastrosa. Mas, para “A Bola”, ele é um menino-feito-homem, com a audácia de Bento e a segurança de José Henrique. Até ao dia – espera-se que próximo – em que o menino-feito-homem custar pontos decisivos. Aí, “A Bola” apressar-se-á a enterrar Nereu e a enfatizar um qualquer desgraçado que milite nos juvenis. Em nome da propaganda, os nomes serão sempre devorados, mas a glória do Benfica resiste no papel. Ámen.