Ensaio Sobre a Teimosia
Luiz Felipe Scolari é teimoso. Indesculpavelmente teimoso. Nesse ponto, seguidores e detractores concordam sem reservas. É seguramente entre gente desta fibra que se recrutam testemunhas de Jeová ou vendedores de enciclopédias. Sem favor nenhum, Scolari daria um excelente vendedor porta-a-porta de “A Sentinela”. Parece que o escuto, pregando à mocidade:
«Pô, a orientação de Romanos 2:21 é para levar à letra. Não discute, não. Nunca aceitei transfusão de sangue na vida e não é agora, quando a imprensa toda pede, que eu vou aceitar.”
Scolari não cede um milímetro das suas convicções à pressão de adeptos, imprensa ou colegas de profissão. Diria até que retira das críticas indisfarçável prazer. Ele é o proverbial maquinista que avança numa linha onde os carris, por vezes, faltam, mas conduz a locomotiva movido pela fé suprema de que nada de mau lhe acontecerá. Não sei se isso faz dele um louco ou um profeta.
Antes do Euro’2004, fui a Aveiro assistir a um inenarrável Portugal-Grécia. Mimoseado com vaias contínuas, o seleccionador parecia agradado, satisfeito, como se retirasse força da contestação. Não o incomoda minimamente que um estádio em peso não queira Ricardo, assobie Miguel (agora, porque o Miguel, agora, já é mau!), prefira Nuno Gomes a Pauleta ou Petit a Maniche. Isso não é necessariamente negativo! Os iluminados de bancada não têm sempre razão – excepto quando, pontualmente, vaiam no mesmo sentido que eu. Aí já têm!
Scolari faz-me lembrar o meu velho instrutor de condução. Perante cada cruzamento, eu guinava para um lado, ele para o outro. Invariavelmente, aconteciam duas coisas: o carro obedecia ao técnico qualificado (protocolos!) e, ao fim da aula, parávamos na oficina para consertar a direcção. As escolhas de Scolari são dogmas irrefutáveis. Da mesma forma que Cristo, Alá ou Buda não se discutem, as opções de Scolari também não. Fica a pergunta: essa estratégia levará Scolari e os seus pupilos a bom porto? É que a mim não levou: espatifei o carro no primeiro dia encartado.
Eu admiro o seleccionador nacional. E não comecem já as más línguas a associar a minha preferência à exclusão de Vítor Baía ou à perda de titularidade de Simão e Nuno Gomes. É evidente que, com essas medidas higiénicas, Scolari calou fundo no meu coração. Mas nem é esse o meu argumento. Em oito décadas de história da selecção, foi raro o timoneiro que assumiu as suas opções e ignorou a crítica. Até à chegada de Scolari, o seleccionador nacional era, por definição, um homem de consensos, de meios termos, de cautelas e caldos de galinha. A escolha de convocados obedecia a quotas clubísticas. Você é do FC Porto e representa um milhão e meio de adeptos? Com certeza, tem direito a quatro internacionais «A» e cinco «sub-21».Você é do Sp. Braga? Oh, que pena! Só temos uma vaga na selecção de sub-17.
Para o melhor e para o pior, esse modelo acabou. Custou o lugar de Baía, Conceição e agora de Couto, mas acabou.
Não quer isso dizer que Scolari seja perfeito. Não é. É uma mula teimosa, obstinada, que guina o carro só pelo prazer de demonstrar que é ele que detém o volante. No consulado de Scolari, criaturas descoordenadas como Luís Loureiro, Ricardo Rocha ou João Alves ganharam honras de internacional. Frechaut e Rogério Matias? Servem apenas, e sob reserva, para escudo humano em bairros da periferia de Paris. Sob alguns ângulos, a selecção é tal qual uma repartição de finanças, onde cada funcionário tem direito ao seu lugar até ao fim dos tempos. E onde tudo depende do humor do chefe.
Mesmo assim, Scolari é o meu seleccionador. E venha o Mundial da Alemanha.
P.S.: Mais informações sobre testemunhas de Jeová podem ser encontradas na Sociedade Torre de Vigia. Ou junto de um dos simpáticos evangelistas porta-a-porta do seu bairro. Lembre-se: se Filipe estudou com o etíope, você também aprender connosco.
11 Comments:
Não concordo. Scolari é teimoso porque o deixam. O afastamento de Baía é completamente injustificável. E o apuramento foi fácil. Se calhassemos num grupo de jeito, nesta altura Scolari já estava de volta a Curitiba.
Olhe que não, olhe que não, sr. anónimo...
Não me importava de o assobiar muitas vezes como treinador do Sporting
Quem é o Filipe que estudou com o etíope?
A questão não está em saber se Scolari é bom ou mau treinador. Se foi campeão mundial e vice-campeão europeu parece mais ou menos pacífico que o homem, de facto, percebe da coisa. Mas tal não impede que se comporte como um atrasado mental na questão da escolha dos Guarda-redes da Selecção.
No que diz respeito às "quotas" a que cada clube tinha direito no passado, o que se passa hoje é bem pior - os maniches, os postigas, os meiras, os frechauts e os caralhos-que-os-fodam (especialmente estes) são sempre convocados independentemente da forma que atravessem. Entre convocar um tipo em forma porque é do Porto/Benfica/Sporting ou um que não anda a jogar a ponta dum corno mas que se chama José, Manel ou Jaquim e tem que jogar sempre, prefiro a primeira opção.
Voltando à questão dos guarda-redes, a questão é só uma: quem é melhor - Baía ou Ricardo? Quem acha que o frangueiro do Montijo merece ser titular da Selecção, das duas uma, ou é anti-portista primário ou anda a fumar qualquer coisa esquisita.
Apesar de me custar, como sportinguista, eu acho que o Baía é infinitamente melhor do k o Ricardo.
Não é só o Baía. O Quim, o Paulo Santos e até o Nuno Sampaio são melhores do que o frangueiro.›
Para mim a opção de Ricardo têm toda a lógica. É o melhor guarda-redes português, está na idade ideal em que concilia capacidades fisicas com técnicas, ainda têm margem de progressão e principalmente é muito forte mentalmente. Ele sabe que é o melhor.
O Baía é melhor que o Ricardo, disso ninguém duvida, agora a ser verdade que o Scolari não o convoca por questões relacionadas com problemas ocorridos na Coreia em 2002, quem é que queriam para a baliza da selecção, o Rui Nereu?
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Essa teimosia que ele considera força, por romper com os consensos custou-nos um titulo europeu ao preterir o Campeão Europeu Baia por um frango consagrado.
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