O Sistema dos Pobrezinhos
Há pessoas que devem ser pobres toda a vida.
Leu bem: enquanto a ciência abandona o paradigma genético e diz que os homens podem ser o que eles quiserem, mesmo que o que eles queiram seja vestir um avental e recriar as cenas da Beatriz Costa n’ “Aldeia da Roupa Branca” [acontece. Não digam que não acontece, porque ele há muito caso cuja ilusão de grandeza passa pelo cativante mundo da barrela], o Mãos ao Ar inscreve-se na mais profunda tradição do determinismo genético.
Somos aquilo para que estamos geneticamente programados.
Tomemos o Sporting como exemplo. O Sporting tem de ser pobre. Tem de fazer anualmente das tripas coração para cumprir orçamentos miseráveis à justa – tudo muito contado, tostão a tostão, comissão a comissão, chauffeur a chauffeur.
Se fosse possível pegar no Sporting pelos tornozelos e virá-lo de cabeça para baixo, não cairia um tostão dos bolsos. Não o digo em lágrimas, atenção! É a voz da resignação que mo murmura.
(Já vos disse que oiço vozes? Sou como a Alexandra Solnado e a Joana d’Arc, mas eu prefiro a carne mal passada)
Fosse o Sporting um personagem da história do cinema e seria, sem dúvida, o Charlot: sem uma moeda no bolso, mas com uma determinação inquebrável e as maneiras mais refinadas da criação. A sina foi aceite pelos adeptos, não há volta a dar.
De súbito, porém, cai do céu uma fortuna: 25 milhões de euros, ou 24 se se descontar a fatia que cabe ao Real Massamá. Ora, quando uma fortuna não sai às pessoas certas acontece inquestionavelmente uma coisa terrível: ela sai às pessoas erradas. Os dirigentes do Sporting não sabem o que é ter dinheiro em caixa. Gente de espíritos simples e habituada a rapar o mais vazio dos tachos, a recém-adquirida fortuna só vai gerar deslumbramento.
Nas próximas semanas, vou caminhar nervosamente até ao quiosque, temendo todos os dias que os jornais anunciem compras mirabolantes de chilenos, paraguaios, argentinos e muitos, muitos brasileiros. Se aceitam um conselho de um adepto que ouve vozes e anda às vezes de avental, comprem o passe do Romagnoli e do Caneira e metam o resto no mealheiro.
Hummm?
O economista Adam Smith, que às vezes também fala comigo apesar de estar morto há mais de 200 anos, está a dizer que concorda. E que se alguém passar pelos lados do cemitério de Kirkcaldy, que lhe leve um cobertor.