Ó Zé, Rescinde à Vontade
Os ingleses dizem que nasce um tonto por minuto. É bem possível que um dos tontos de 1954 tenha nascido em Setúbal e tenha recebido dos paizinhos o ingrato apelido de Chumbita.
Nos últimos meses, Chumbita Nunes foi o saco de pancada do país futebolístico. Nestas coisas dos apedrejamentos públicos, o que custa mais é a primeira pedra. Depois, até nos admiramos por que diabo demorámos tanto a lapidar o infiel.
Desde Setembro que não há gato pingado que não tenha lançado o seu calhau sobre o presidente do Vitória. Do herói da noite em que ninguém dormiu em Setúbal, graças à conquista da Taça, pouco restou. Chumbita foi crucificado pelos jornais, os tribunais modernos que juntam julgamento e condenação no mesmo procedimento jurídico. Foi bem feito. Até no Wikipedia, é possível encontrar glosas ao rapaz.
É evidente para mim que Chumbita personifica lindamente o nosso dirigente desportivo. Age por impulso, reage por paixão. Concebe o debate como um momento inaceitável de contestação à sua augusta pessoa. Aprova orçamentos baseado nas imponderáveis variações do ábaco. Promete o que não tem e invariavelmente não cumpre o que promete. Se colocassem um indígena da Papua Nova-Guiné a gerir o orçamento do Vitória de Setúbal, o resultado não seria pior.
Até esta semana, não tinha Chumbita na conta de um tonto. Pensava nele como o bom aldrabão português, malicioso mas não maldoso, cheio de lábia, truques e estratagemas. Admito, porém, que lhe tirei mal as medidas. No vaudeville de gosto duvidoso em que se tornou o Vitória de Setúbal, Chumbita não faz o papel do agiota astuto. Ele é o bobo da corte, o tolinho de quem todos se riem e que se coloca no centro do palco para escárnio da audiência.
Atentem na sequência, apresentada em jeito de silogismo socrático para melhor compreensão: José Fonte era titular do Vitória. O Vitória ia jogar com o Benfica. O Benfica tinha receio desse jogo. José Fonte rescindiu na véspera do encontro. O Benfica ganhou e apresentou de seguida Fonte como reforço de Inverno. Moral da história: Chumbita Nunes agradeceu à direcção do Benfica a conduta honrada durante o processo!?!
Terá passado pelo sobrecarregado cérebro do nosso bobo que o Benfica possa ter acelerado a rescisão de Fonte para enfraquecer o Vitória na véspera do jogo? Ó Zé, rescinde lá hoje que nós jogamos aí na quarta!..
Claro está que, de "A Bola", tribuna séria e soberana, não tardou a chuva de elogios. O bom exemplo que vem da Luz, a nobreza de carácter dos dirigentes que indemnizaram o Vitória, as virtudes da nova geração que serve o Benfica. Que verborreia!
Chumbita, esse, tomou o seu lugar. No centro do palco, ele ri candidamente, mas não sabe ao certo de quê. Usa um chapéu pontiaguado e garrido e bate palmas desenfreadamente para a multidão. Quanto mais se mexe, mais o público se desmancha em sonoras gargalhadas. O bobo foi tristemente enganado e o Benfica somou três pontos. Que melhor requiem para o ano que amanhã finda?