A estratégia do cuco
João Pinto, ex-defesa direito do FC Porto, ex-internacional português, ex-treinador da equipa de juniores do clube nortenho e pateta certificado, deu uma entrevista ao jornal “O Jogo” há cerca de um mês. Convidado a comentar a dificuldade de ascensão dos talentos dos escalões de formação, João Pinto respondeu (mais palavra, menos palavra) que, como o FC Porto ganha muito, não se pode dar ao luxo de lançar miúdos na equipa principal. E, com o exemplo do Sporting certamente em mente, acrescentou que só os clubes que estão fora de competição em Novembro/Dezembro é que podem fazer apostas dessas, lançando jovens jogadores para esconder desaires desportivos.
Recordei esta entrevista ontem, ao ver no relvado dos Barreiros Rui Patrício (19 anos), Ronny (21), Adrien (18), Veloso (21), Moutinho (21), Vukcevic (21). No banco, estavam ainda Paulo Renato (20), Pereirinha (19), Celsinho (19) e Paez (17)! É confrangedor verificar que, dada a data de nascimento destes meninos, eles nunca ouviram os GNR sem Rui Reininho, os Van Halen com David Lee Roth ou a Ana Bola com menos uma tonelada.
Será de mais?
É genericamente reconhecido que João Pinto e o Sporting divergem profundamente sobre temas tão fracturantes como a economia de mercado, a organização de uma equipa de futebol ou a limpeza das unhas. Desta vez, porém, o ex-jogador terá tocado na ferida: a opção de Paulo Bento parece cada vez mais motivada pela ausência de alternativas entre o plantel adulto. Defendo que um plantel equilibrado é composto por força vivas de diversas idades. No caso do Sporting, é composto por onze forças vivas e outras, como Purovic, Farnerud ou Paredes, que são forças mais ou menos vivas. Se estas criaturas por lá continuarem em Janeiro, é bem provável até que Bento recorra aos juvenis, aos iniciados ou ao grupo de escuteiros de Alcochete.
Por outro lado, todos nos lembramos – excepto, provavelmente, aqueles que sofram de Alzheimer – que as apostas em Figo, Simão (bleerk), Quaresma, Viana, Ronaldo, Moutinho, Nani ou Veloso ocorreram em equipas maduras, complementadas com profissionais experimentados. Nos Barreiros, foi o contrário: havia dois ou três adultos para tomar conta da miudagem. O resultado, claro, foi semelhante ao que aconteceria se o Parlamento fosse tomado por uma juventude partidária.
Terceiro ponto: haverá que admitir com relutância que nem todos os rapazes de 19 anos sabem jogar à bola, mesmo que lhes vistam a inigualável camisola verde e branca. Suspeito que será o caso de Pereirinha e Ronny que, mesmo agregados, não fazem um jogador decente. E como nas histórias de naufrágios, haverá que ter a coragem de deixar afogar os lastros para que o barco consiga prosseguir.
Último ponto: terá João Pinto legitimidade para comentar politicas de formação – logo ele que representa um clube hábil apenas a executar a estratégia do cuco, que usa o ninho e o trabalho dos outros sem verdadeiramente criar nada de original? A meu ver, não. E mesmo que o FC Porto esteja alguns passos à frente do Benfica (que não forma propriamente jogadores – deforma-os!), não é dali que virá exemplo algum de formação.
Há quatro/cinco anos, fui desafiado por amigos para ir à Academia ver um jogo da fase final do campeonato de juvenis, entre o Sporting e o FC Porto. Eram favas contadas, disseram-me. E foram... mas para o lado do FC Porto. Na equipa nortenha, Vieirinha e Paulo Machado desfizeram em pedaços a equipa do Sporting. Jogaram e fizeram jogar. Mostraram incrível maturidade e resistência. Quatro/cinco anos depois, porém, aguardam ainda uma oportunidade, uma e outra vez emprestados, uma e outra vez empurrados.
Não... O modelo de formação não mora ali.