É verdade, o jogo de ontem foi tão intenso, tão intenso que me poderia facilmente ter provocado um daqueles entorses do miocárdio de que a gente ouve falar nas notícias. Aliás, um primo meu, que tem diabretes de tipo 1 e precisa de estar sempre a injectar ursulina, parece que já teve um e diz que dói um bocadinho – o entorse, não a ursulina, porque a essa ele já está habituado.
Não foi o frango medonho do sérvio que me enervou. Nem sequer as prestações vergonhosas dos Farneruds, Purovics, Gladstones e coisas assim que a gente por lá tem. Nem mesmo o esforço meritório dos jogadores do Vitória, embora eu prefira sempre jogar com eles mais para Dezembro, quando os ordenados já estão em atraso, os convocados já viajam para o estádio adversário no dia do jogo e a direcção já só tem crédito para pagar uma sandes de croquete numa área de serviço – parecendo que não, ficam um bocadinho mais vulneráveis.
Quem percebe minimamente de futebol sabe perfeitamente qual o factor decisivo para a definição dos resultados: a superstição primária. Isso, de ter bons jogadores e tácticas arranjadinhas, está muito bem para quem gosta de lei e ordem, mas não ganha jogos. A superstição, sim. Sobretudo, se for arquitectada com método.
Ontem, infelizmente, a minha superstição caiu por terra, despedaçada por um adversário aparentemente invencível. Toda a gente sabe que o Sporting não ganha jogos em casa se, ao intervalo, eu não for diligentemente retirar um pacote de M&M amarelos da máquina em frente à porta B04. É matemático e não falha. Tempos houve em que eu tinha de levar a camisa da sorte p’rá bola, ou engolir três bolas de sorvete de uma vez, para ganharmos jogos, mas isso, podemos reconhecê-lo, era bastante estúpido. Agora, a superstição dos M&M era certinha.
Na semana passada, estive fora, pelo que não vi o jogo com o Manchester. Voltei em grande estilo a Portugal horas antes do jogo com o Vitória. Ora, há quem traga recordações exóticas das suas estadias no além-mar. Eu trouxe uma alergia alimentar. Com os lábios do mesmo tamanho das beiças da Angelina Jolie e mais chagas no corpo do que aqueles leprosos que a gente via no Ben-Hur, quando a RTP passava os especiais de Natal, apresentei-me ao serviço no estádio. É verdade que, quando a gente tem a cara repleta de postulas e precisa urgentemente de tomar ebastina micronizada para inibir a histamina, tem mais facilidade de furar filas para entrar no estádio, mas, mesmo assim, parece-me que preferia não ter postulas. Parece mais empolgante do que realmente é.
Eu não sou católico, nem acredito em nada. Da única vez que acreditei em alguém, uma ceguinha saiu do metro na Alameda, levantou os óculos escuros que tapavam a pseudo-cegueira e marchou, lesta, para a carruagem seguinte, depois de me extorquir quase 50 cêntimos. Nunca mais acreditei em ninguém – nem nos meus pais, nem nas cartas das finanças, nem no meu advogado de defesa, nem sequer no senhor juiz. Em ninguém! Tenho por isso alguma dificuldade em racionalizar o que me aconteceu: entre milhares de possíveis agentes alergénios, tinha de me sair o chocolate na rifa. Acabou-se a superstição do M&M.
Continuo a pensar que Deus não deve existir. Mas, se existir, é cansativozinho!
P.S.: Estou a cozinhar uma nova superstição. A partir de agora, o Sporting só ganha jogos se eu mordiscar um talo de couve, depois de o lavar num lava-louças de duas cubas, antes de cada encontro.