Há muitos anos, deixavam-nos fazer uma experiência bárbara nas aulas de Física. Tínhamos um tacho cheio de água ao lume e colocávamos no interior um sapo. Se aumentássemos bruscamente a temperatura, o sapo pisgava-se pela janela e, enquanto agitava as membranas interdigitais, quase jurava que proferia a frase “Eu é que não sou parvo!”. Mas se aumentássemos gradualmente a temperatura, o sapo imitava o Polga e não se mexia. Mais quente: 70ºC, 80ºC, 90ºC. Nada. O que acontecia aos 100ºC? Duas coisas: a água fervia e o sapo cozia. (se só adivinhou metade da pergunta, passe por favor nos recursos humanos e peça um livro bonito para colorir enquanto eu acabo de contar a história). O sapo ficava estupefacto com o que lhe estava a acontecer e não esboçava reacção. Não tinha nos genes resposta para uma degradação faseada do seu ambiente. Pois eu proponho aos senhores que os adeptos de futebol também não. Mas já lá vamos.
Conhecem-se por fim mais peças do enigma financeiro que constituiu o Verão do Benfica. Luís Filipe Vieira reconheceu ontem que os 25 milhões gastos no mercado durante o Verão foram concedidos por uma instituição financeira, que aceitou o contrato publicitário com a Sagres como garantia. Evoluímos do “são capitais próprios” e do “Benfica não precisa de se financiar” para uma tese mais verosímil. É como o Cergumil: custa um pouco a engolir, mas vai fazer bem.
Não é pecado, reconheçamos. Quando o Benfica olha para o espelho, vê nele reflectido uma caricatura do Real Madrid português, uma obsessão deslocada com um prestígio europeu em farrapos e uma supremacia interna que se instalou de armas e bagagens no Porto. E sonha, como os velhos latifundiários bolorentos da província, com o antigamente e com o respeito que se esfumou. Como o adolescente que cola posters de pop stars na porta do roupeiro, o Benfica quer ser o Real. Está disposto a imitá-lo, a exibir os mesmos comportamentos extravagantes se puder provar um trago do cálice da fama.
No Norte da Tailândia, a cultura Karen (sem relação com o Jardel) acredita há várias gerações que a divinização celestial pode ser obtida através do sofrimento terreno. Por isso, desde tenra idade, colocam-se aros dourados no pescoço das meninas, de forma a alongar o pescoço, deformando irreversivelmente os ossos à custa da pressão. A partir de determinada idade, as senhoras já não podem retirar os aros, pois os ossos do peito foram esmagados e o pescoço não aguentaria a ausência de sustentação.
Há duas lições a retirar desta aula antropológica. A primeira, obviamente, é que foi um gajo a inventar este ritual e foi particularmente engenhoso porque postulou, logo à partida, que os homens não precisam dessas merdas – a divinização celestial pode ser obtida a ver a SporTV. A segunda lição é mais profunda: pode-se fintar a natureza durante algum tempo, pode-se imitar o que não somos, mas chega sempre uma altura em que temos de nos apoiar nos alicerces – sólidos ou frágeis – que forjámos.
Quando retiram os aros, as senhoras tailandesas morrem rapidamente. E ao Benfica, quando retirarem o crédito, o que ficará?
E os adeptos: percebem ou deixam-se cozinhar lentamente, como o meu sapo?
(Informa-se a estimada audiência que, para a realização deste texto, foram queimados quatro sapos com particular selvajaria. Este projecto foi financiado pelo VI Quadro Comunitário de Apoio aos Verdugos de Anfíbios).