O Genro Ideal
Não consigo odiar Fernando Santos. Como treinador do Sporting, guardei-lhe algum rancor, mas aquela expressão aterrorizada, personificação de um cachorro ensopado até à medula, sempre me comoveu. Os olhos marejados de lágrimas dão invariavelmente vontade de lhe pespegar duas lambadas carinhosas nas beiças. Os benfiquistas conhecem bem a sensação.
Fernando Santos é o típico homem que desejamos para genro: conversa pouco, mantém uma distância respeitosa e guarda-nos uma fidelidade canina. Não lhe passa uma ideia javarda pela mente e, se passar, ele afastá-la-á com incontida repugnância.
Há quem diga que, para ser treinador, é fundamental saber treinar equipas. Pelo menos, lá fora é assim. Cá em Portugal, não é obrigatório. E Fernando Santos provou-o. Falhou com estrondo em todas as paróquias onde pregou (sim, um título nacional em três temporadas no FC Porto é vergonhoso!), mas os presidentes adoram-no. A sua submissão impede-o de apontar responsabilidades aos outros e ele, como o redentor na Via Dolorosa, alomba piedosamente a cruz. A dele e a dos outros. Comovente quadro, este! Já vi episódios menos nobres lançados na tela.
Ateu como sou, sempre me intrigaram estas figuras que depositam nos céus a sua fortuna e que esperam recompensas pelo sofrimento auto-infligido. Há três anos, em Moreira de Cónegos, o Sporting foi roubado indecentemente pelo Martins dos Santos que, no mesmo minuto do jogo, transformou uma vitória «leonina» numa derrota. Mesmo para quem está habituado a estas burlas, aquele gamanço foi especial. No final do jogo, Fernando Santos mostrou-se infeliz como sempre, torcendo nervosamente o nó da gravata. Podia ter protestado, mas a crítica não cala bem com a sua natureza. Comeu e calou, certo de que para os bem-aventurados está guardado o reino de Deus. Até pode estar, reconheço. Mas eu acredito que, pontualmente, tem mais graça ganhar campeonatos.
Em garoto, o Fernando olhava em volta e via os amigos que aspiravam vir a ser como o Eusébio, o Fernando Tordo ou… a Tonicha (drama raro, mas não inédito, ou julgam que o filho do Nené foi o primeiro transformista do país?). Angustiado, Santos voltava para casa e rezava, rezava muito. Quem dera ser um dos pastorinhos!
Fernando Santos é um daqueles ingénuos úteis de que falava Lenine. Foi para a Grécia encantado com a oportunidade horrorosa que Pinto da Costa lhe arranjou para o despachar. Pediu reforços ao AEK e deram-lhe sempre outros nomes. Santos nunca se lembrou que já os antigos desconfiavam dos gregos portadores de presentes (um bocadinho de cultura clássica não aleija, ó massa bruta!)
Agora no Benfica, a imprensa conta-nos que Santos está encantado. Voltou a ajudar os pobrezinhos e a animar as sessões de canasta do Centro Paroquial da Reboleira (não estou a brincar, li mesmo isto). Faz ele muito bem. Enquanto se envolve com as cartas da canasta, a pessoa não se mete em coisas más, como as drogas, o CDS-PP… ou o Luís Filipe Vieira.