Humor Negro

Há gente capaz de tudo!
Vou sentado, com o conforto possível, embalado pelo gentil chocalho da carruagem de metro que me leva do Chiado a Alvalade. Vou satisfeito com a minha prestação: o lugar sentado que ocupo foi conquistado à força de cotovelada e empurrões. Na Baixa-Chiado, a entrada no metro lembra-me sempre os concertos dos Metallica. Com a diferença de que, para os Metallica, já ninguém leva soqueiras e eu quase que garanto que a velhota que me bateu aos pontos tinha uma daquelas soqueiras pontiagudas que vemos nos filmes dos vikings.
Vou sentado, recordo, porque tive de afastar in extremis um septuagenário que, pasme-se, me queria palmar o lugar. A táctica? Cotovelada na fronte, à McCarthy, seguida de chiste certeiro:
“Desculpe lá, ó avôzinho, mas amanhã o Conselho de Justiça despenaliza-me!”
Sim, estou satisfeito.
A satisfação termina abruptamente no momento em que a carruagem se imobiliza em São Sebastião. Estação terminal. Saiam todos! Schnell, schnell, berra o gauleiter de serviço. Esboço um protesto:
– Mas, desta vez, eu ia sentado. EU IA SENTAAAAADO!
Solto um grito lancinante, como um animal ferido de morte. Não o comovo.
Pergunto: qual é o irresponsável, sem respeito nenhum pelos outros, que se atira para a frente de uma carruagem quando falta hora e meia para o início de um jogo do Sporting?
O ego desta gente. Tudo eles! Tudo eles! Devem julgar que o mundo todo gira em seu redor. Bom, neste caso, não foi o mundo todo. Foi só a roda do metropolitano que girou em seu redor [a propósito, o metro tem mesmo rodas?]
Por tua culpa, ó engraçadinho, perdi a apresentação da equipa, perdi a homenagem ao Obikwelu e à Naide e cheguei ao estádio no momento exacto em que um desgraçado parecia estar a chamar um rebanho (explicaram-me depois que era o vencedor da Operação Triunfo). Por tua culpa, não pude realizar nenhum dos rituais supersticiosos e, claro, não ganhámos.
Se não fosses uma amálgama indistinta de ossos e carne, eu contava-te como era.