segunda-feira, abril 20, 2009

Al-Maminha

Já passaram largas décadas sobre os trabalhos lapidares de Leite de Vasconcelos em Portugal. Para quem não sabe, Leite de Vasconcelos foi o pai da arqueologia portuguesa. Foi também o pai da filologia nacional, interessando-se por dialectos regionais como o mirandês, o barranquenho e as pessoas que deitam perdigotos quando falam. É possível ainda que Leite de Vasconcelos tenha sido também o pai de três fedelhos ranhosos não perfilhados, nascidos numa dessas serras anónimas do país, mas não contem comigo para espalhar boatos maldosos sobre a conduta do sôtor. Para todos os efeitos, os fedelhos nasceram por intervenção directa de Nossa Senhora dos Remédios.
Leite de Vasconcelos foi um pioneiro. Coube-lhe, num ensaio sobre poética quinhentista, descobrir a verdadeira motivação do soneto mais famoso de Camões. Na verdade, escreveu Leite de Vasconcelos em Textos Archaicos, “o vesgo do Camões dedicou ‘Alma minha Gentil que te Partiste’ não à amada Dinamene, como dizem esses pseudos-líricos de pacotilha, mas a um árabe abichanado que por cá andou e se pisgou para Marrocos quando viu que o zarolho não desamparava a loja. O soneto deveria ler-se “Al-Maminha, gentil que te partiste”. E Camões deveria figurar, não como expoente da lírica petrarquiana, mas como eleitor do Bloco de Esquerda.”
“A meu ver”, concluiu, “o olho vesgo do poeta não era necessariamente aquele que os historiadores tradicionalmente designam.” Por maldade da academia, infelizmente, este texto invulgarmente franco tem sido esquecido nas revisões da obra de Leite de Vasconcelos.
Ora, apesar dos estudos revolucionários sobre os mirandeses, os barranquenhos e os fanhosos, Leite de Vasconcelos nunca se pronunciou sobre o futebolês. E foi pena. Teria tudo muito com que se entreter. No seu Filologia Barranquenha - apontamentos para o seu estudo, Leite de Vasconcelos descreve como os barranquenhos têm vocabulário sazonal, adequando o discurso à época do ano e à actividade em que estão envolvidos. No futebol, também. Chegados a Abril, entramos inevitavelmente no discursos dos novos. Na proporção inversa do insucesso desportivo, começam a ser discutidos os novos qualquer coisa. Patric, hoje, tornou-se o novo Maicon. Chris será, sem dúvida, o novo Lúcio. Mantorras, agora que festejou finalmente o 20.ª aniversário, será o novo Eusébio. E por aí fora.
Ao estudar o mirandês, Leite de Vasconcelos disse também que o vocabulário de uso agrícola é utilizado noutros contextos da vida social. Disse também que a maior parte das frases são uma algarviada incompreensível e que Miranda do Douro precisava era de um Salazar, com dois filhos iguais ao Alberto João Jardim e ao Avelino Ferreira Torres, que pusessem ordem naquilo. Enigmáticas palavras, estas, mas repletas de sapiência.
Voltemos, porém, à vaca fria.
Também o futebolês recorre a outras linguagens para melhor expressar a sua complexidade. Há alturas da época em que os jornais fervilham de linguagem de ourives. Há jóias da coroa. Diamantes por lapidar. E pérolas preciosas com abundância. Noutras fases, mais técnicas, fala-se de futebol como se fôssemos todos funcionários dos serviços fiscais. Há jogadores que são abonos de família e outros que se tornam o seguro de vida da sua instituição. Com jeitinho, ainda verei o dia em que se dirá que o Moutinho é a retenção na fonte do Sporting ou que o Lucho é o artigo 56º do Código de IRS do FC Porto.
Até lá, porém, vale a pena considerar o Olegário como o benefício fiscal do Dragão.

21 comentários:

  1. pois... mas do jogo dos amiguinhos em Coimbra,e dos erros da arbitragem do Olegário não convêm falar,não vá aparecerem o Bobbi e o Tareco !

    Mais importante é falarmos dos outros da 2ª circular !

    Sai mais uma travessa de ameijoas...

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  2. Acho que com esta posta és capaz de ter perdido o Chalana!!

    Daqui até Setembro vai ser sempre a andar... É só grandes estrelas a chegar a Luz

    Mas hoje, de facto, já se falava dos roubos que vêem lá de cima

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  3. Só vejo gente a tentar condicionar o autor. Escreve sobre isto. Não escrevas sobre aquilo. Irra! Chamem o Eduardo Cintra Torres e façam queixa. Ou mandem emails à ERC, à TVI e ao Lidl.

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  4. MAS É CLARO QUE FOI MÃO DO MEIRELES E ERA PENALTY. E ESTAVA 0-0. E O PORTO JÁ NÃO GANHAVA O JOGO. E O CAMPEONATO FICAVA EM ABERTO. E AINDA LÁ ÍAMOS. E O SEGUNDO LUGAR DO PAULO BENTO, CONTRA TUDO E CONTRA TODOS, VALE MAIS DO QUE UM PRIMEIRO NESTAS CONDIÇÕES.
    E ATÉ O NUNO GOMES JÁ MARCA GOLOS.

    Rgghhhhhnnn!

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  5. Este anónimo faz-me lembrar a "estória" do Chalana e do sarcasmo...

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  6. "Até lá, porém, vale a pena considerar o Olegário como o benefício fiscal do Dragão."

    Ó Anónimo 1, qual foi a parte que não percebeste?

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  7. " Benefício Fiscal" é muita areia para um intelecto galiforme que, salvo raras e honrosas excepções como António Vitorino de Almeida, Manuel Alegre ou Ricardo Araújo Pereira, só entende português vernáculo de preferência acompanhado da bela sandes de courato e de uma "mine".

    A posta está interessante mas ficaria mais completa com uma referência ao "economês":
    O jogador é um valor acrescentado ao plantel... O investimento realizado já está a render pontos... Os índices de confiança estão em alta.. A abertura do mercado...o capital humano do clube...a planificação da nova época obedece a novas regras de gestão...Lucílio é uma mais-valia para a "instituição" ...etc...etc....etc

    Não pretendo, de modo nenhum, tirar mérito à prosa mas tão só contribuir para o aprofundamento da ideia que considero, repito, excelente.

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  8. Caro Bulhão, o que me traz aqui hoje não é este maravilhoso post.
    Venho por este meio repudiar veementemente o facto de teres incluído o link da minha chafarica na tua página.
    A intenção até foi boa, mas agora inseri-lo na secção "Blogues Isentos e/ou Imparciais" é que não se faz. Estás-me a destruír a reputação!
    Abraço

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  9. Nota introdutória:
    O Chalana deve ter ficado anónimo depois do sarcasmo. O melhor que lhe consigo arranjar para introdução é uma nota. Lamento a decepção!

    Caro BP:
    Antes de mais agradeço o texto. Permitiu-me descobrir que posso ser o Leite de Vasconcelos do sec. XXI. De há anos para cá que faço investigação sobre assuntos mirandeses. Não meras e abstractas teorizações, mas aturados trabalhos práticos sobre um dos maiores patrimónios mirandeses: a posta!

    Como a costela Sportinguista impõe há que ser ecléctico e, sempre que posso ou a vaca fica fria debruço-me literalmente, como convém, sobre os secretos, os dados , as bochechas do porco preto barranquenho.

    Apesar de toda a dedicação que tenho devotado a estes estudos continuo a sentir-me um leigo, no que a vacas diz respeito, quando comparado com o PdC. Ele levou as coisas mais a sério que eu, levando uma para casa, estudando-a durante 7 anos. Deve ter acabado por concluir que não há vaca como a 2ª.

    Mas PdC não ficou célebre pelo estudo do gado vacum. Antes sim, é conhecido por estender a sua benquerença aos suínos, independentemente da cor das patas, introduzindo-lhes o café na dieta, um pormenor digno de um visionário como ele. Não tem faltado gordura para lubrificar a máquina, quando as coisas parecem correr o perigo de enferrujar. Os suínos têm sido a o longo dos últimos anos um item fundamental na dieta do dragão.

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  10. Ouçam a nova música da Banda Zé Ninguém:

    Corrupção

    Corrupção em Portugal
    Não vai nada nada mal
    Este país é a loucura
    Está pior que uma ditadura

    O governo é uma piada
    Nem o circo tem tanta palhaçada
    Este país à beira mar
    Vamos todos afundar

    Por isso eu digo não
    Por isso eu digo não
    À corrupção
    À corrupção

    E depois, quem vai pagar!
    Andamos todos a brincar!
    Nem o gato nem o cão!
    Eu aposto um milhão

    Autarquia fraudulentas
    Presidentas pestilentas
    Sabem de quem estou a falar
    Ou é preciso explicar?

    Senhoras e senhores:
    Bem vindos a Portugal!
    O País mais corrupto da Europa!
    Mais corrupto da Europa!
    Não tenha medo, aqui ninguém vai preso!
    Ninguém vai preso!
    Mais corrupto da Europa!
    Mais corrupto da Europa!

    Este país é uma demência
    É uma grande decadência
    Autarquia fraudulentas
    Presidentas pestilentas

    E depois, quem vai pagar!
    Andamos todos a brincar!
    Nem o gato nem o cão!
    Eu aposto um milhão

    Por isso eu digo não
    Por isso eu digo não
    À corrupção
    À corrupção

    Banda Zé Ninguém
    www.myspace.com/bandazeninguem

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  11. LdA: Quando o comentário ultrapassa o post...

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  12. Visigordo:
    Tenho que aceitar o reparo, com ar contrito.

    Mas compreende-me: a escrita do BP é de si inspiradora e um homem perde-se.

    Não devia dizer isto, muito menos insistir, mas tive acesso à versão original do Lusíadas em que o Luís Vaz, entre o génio e oráculo, dedicava o canto V aos problemas da arbitragem que haveria de enegrecer esta ditosa Pátria, nossa amada, 4 seculos depois.

    P.ex. aquelas célebres estrofes ""Vi, claramente visto, o lume vivo
    Que a marítima gente tem por santo" era uma citação do Benquerença, no original

    "Vi, o penalty do Meireles claramente visto.
    Que a nortenha gente tem por santo
    Mas pagaram-me. Não posso marcar isto
    Fico-me apenas por um pontapé de canto.

    Camões acabou por desistir porque os penalty´s ainda não eram então conhecidos, nem sequer na sua forma liquida.

    Veja-se por exemplo como Camões abordou o conhecido problema de flatulência que PdC viria a ter, comprovados pela Carolina em prosa:

    "Eu o vi certamente (e não presumo
    Que a vista me enganava) levantar-se
    No ar um vaporzinho e subtil fumo,
    E, do vento trazido, espalhar-se.
    Não se via mas cheirar-se
    facilmente não podia:
    Da matéria dos esgotos parecia." (a versão conhecida é ligeiramente diferente).

    "Eu o vi certamente (e não presumo
    Que a vista me enganava) levantar-se
    No ar um vaporzinho e subtil fumo,
    E, do vento trazido, rodear-se:
    Daqui levado um cano ao pólo sumo
    Se via, tão delgado, que enxergar-se
    Dos olhos facilmente não podia:
    Da matéria das nuvens parecia."

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  13. Só para lembrar: "A Bola" de hoje reporta em manchete que Carlão é um diamante!

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  14. BP:
    Dentro do futebolês há que não esquecer o dialecto "manuelmachadês", que consiste em dizer em muitas e pomposas frases aquilo que o comum dos mortais diz em apenas em uma.

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  15. LdA, não se tratou de um reparo, mas sim de um elogio.
    E quando o termo de comparação é o Bulhão, um senhor elogio.

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  16. Visigordo:
    Cá venho eu agradecer, sem perder na mesma o ar contrito. Porque um elogio desses, com essa origem, não me podia parecer mais que um reparo contido.

    Prometo que voltarei ainda hoje a fazer a medicação, conforme a posologia, para evitar este embaraços.

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  17. Ou seja, estive tão bem como o Chalana com o reporterH

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  18. Nessa aí, vais-me desculpar, mas nunca ninguém está tão bem como o Chalana.
    O timing, a verborreia, o não saber estar, a acutilância da ignorância, enfim, é um rol de virt.... características que alguém dificilmente conseguirá bater.

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  19. Várzea do Lagarto de Abrildomingo, 26 abril, 2009

    Brilhante caro Colhão!
    Saudações!

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