Enrique e o lobo
Todos nós sabemos, pelo contacto que vamos tendo com gente que lê coisas e sabe provérbios, que “o hábito faz o monga”, embora, nas regiões mais industrializadas do país, exista quem prefira o mais vernacular “o hobbit faz o monge” – desfecho que seguramente não agrada ao monge, mas, neste país, já se sabe, há sempre uns sonsos que se safam e cada um é para o que nasce… Mas divagamos.
Dizem os entendidos que Jozef Szabo, lendário treinador da década de 1940, trouxe para o futebol português o treino aplicado a situações reais de jogo, tornando-se o primeiro a abdicar do modelo arcaico de correr na mata como preparação competitiva. Dizem também os entendidos que foi Bella Gutmann quem trouxe para o futebol português, na década de 1960, os primeiros laivos de profissionalismo, exigindo treinos diários ou bidiários e planificando a semana em função dos compromissos desportivos. Não dizem os entendidos, mas sugiro eu, que Giovanni Trapattoni completou o trio de inovadores técnicos da nossa história, introduzindo no futebol português o frasquinho de água benta como complemento táctico para jogos que corressem mal. Duas gotinhas no relvado e os deuses corriam em favor dele, equilibrando a balança e fornecendo-lhe os seus favores. Bom, os deuses e a APAF, mas isso é história para outro comentário.
A tese é polémica, eu sei. Há quem defenda que José Mourinho foi igualmente importante, trazendo para o futebol português o seu sobretudo cinzento, mas, para efeitos de comodidade, aceitemos como válido este trio de inovadores treinadores que por cá trabalharam.
Beato ou não, nascido no Pliocénico ou já na era quaternária, com todos os seus defeitos, a verdade é que a raposa italiana viu em 2004 aquilo que salta à vista de toda a gente, excepto de Quique Flores: Moreira não é guarda-redes para um “grande”. Corrijo: Moreira não é guarda-redes. Ponto.
Não é particularmente alto. Não é particularmente ágil. Não é particularmente bom entre os postes ou fora deles. Não é particularmente respeitado pelos colegas. Agora, o frango na Trofa parece ter provocado repulsa junto daquilo a que a imprensa convencionou chamar “alguns sectores”. “Alguns sectores” mostraram-se inquietos. “Alguns sectores” querem Moreira afastado. Faço notar que, por vezes, “alguns sectores” são formados apenas por uma pessoa, como o Bagão Félix, que grita sozinho no seu camarote, entre duas dentadas numa sanduíche de camarão, em protesto contra a elitização do popular Benfica. Mas, a avaliar pelos jornais de hoje, “alguns sectores” querem mesmo a exclusão de Moreira, como há um mês quiseram a exclusão do Quim.
No banco, Quique Flores parece feito de pedra, como uma das estátuas da ilha da Páscoa, incapaz de se mexer, incapaz de impor uma ideia. Sem personalidade, vai trocar outra vez de guarda-redes, esperando do oráculo dos céus um sinal claro de que, desta vez, acertou.
No futebol, o hábito não faz necessariamente o monge. Não basta vestir um fato e sentar-se no banco para se ser treinador. É preciso fazer opções e ser-lhes fiel até ao fim, reagindo com indiferença ao protesto de “alguns sectores” ou de milhares de pessoas. A escolha de um “onze-base” não é um processo democrático, não vai a votos ou, se preferirem, é inútil que os carneiros aprovem uma moção favorável ao vegetarianismo se o lobo mantiver uma opinião diferente.
Quique é o lobo. Mas age como um carneiro.
7 Comments:
Eu acho que o Queiroz tem a missão facilitada: nacionalizava o Moretto e fundia-o (eu disse FUNDIA-O...)com o Quim e o Moreira.
Os três juntos não faziam um bom guarda-redes, mas sempre era melhor que estas amostras...
Deixem lá estar o homem.
Gostei da análise, mas não partilho da opinião. Continuo a achar que o Quiquer deu uma baixo ao Quim, resguardando-o de mais e críticas - e mais ferozes -, deixando que a arte do Moreira fizesse, sozinha, toda a recuperação psicológica e anímica do número 12 do Benfica. Estrategicamente, Quique foi exemplar.
Se hoje meter a Dulcineide em Guimarães, o Benfica ganha e não sofre golos - e assim acontecerá nas próximas duas ou três ocasiões em que o brasileiro jogar. Porém, há-de chegar o dia em que o próprio mãos rotas se há-de encarregar de demonstrar que, desde o início da época (e das anteriores), Quim é, de facto, o legítimo titular da baliza. Sem ter de se esforçar muito.
Trappatoni começou a estabilizar a equipa quando Quim foi para a baliza. Já Koeman descolou do primeiro lugar quando deu a titularidade a Moretto, em detrimento de Quim. São factos e podem ter interpretações diversas. A minha é esta: se Quim regressar, "a gente ainda vamos lá". Se não... é apostar tudo na bendita Carlsberg Cup.
Sempre simpatizei com bustos de mémés.
E eu acho que quando se ouve ou lê uma voz do além, devemos respeitá-la.
Oh Sancho, estás mesmo a fazer estrume, pois estás?
Dá-me um asterisco que seja e ligo já ao Bulhão para te resgatar.
No entanto, deixaste uma mensagem bonita.
O Quim, o Moretto e o Moreira não fazem um.
Eu que ainda há um ano atrás ouvia dizer que era a melhor selecção de GRs para uma equipa.
Também gostei da análise do Diego..
Se os outros não se pôem a dormir e se ......Veiga.........rrrrssssccchhhhhhh...........hein.......último campeonato.......rrrrrssscccchhhhhhhhhh.........
O certo é que... acertei. Acorda, gordo!
Acertaste?
Ah valente!!!
Pena não deixar só o Balboa, o Urreta, o Martins, o Maria (e este vale no minimo para aí uns 20 milhões, o Aimar, Reyes... e aqui é que a porca torce o rabo.
E não sou eu que vou torcer o rabo à porca.
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