Desculpem lá o homem
À excepção de escritores consagrados como o Gonçalo M. Tavares e o José Veiga, a aspiração de qualquer autor passa por tocar o âmago de todos os leitores, intrigá-los, fasciná-los, comovê-los ou fazê-los rir, propositadamente (no caso de Ricardo Araújo Pereira) ou sem querer (no caso de Carolina Salgado). Pessoalmente, nunca toquei no âmago de ninguém e tenho testemunhas. Lá para insultos, contem comigo, mas em tratando-se de porcarias e javardices, aviso-vos já que ficam sozinhos.
Imaginemos que eu começo esta crónica discorrendo sobre um tema que atravessa transversalmente a sociedade portuguesa e constitui um escândalo calado pelos poderes instalados – a esmagadora maioria dos urinóis de Lisboa e Vale do Tejo é manufacturada pela empresa Valadares, o que constitui um chocante caso de monopólio que a Autoridade Para a Concorrência não vê ou não quer ver. Nesse cenário, apesar de a crónica tocar no âmago de alguns leitores (aqueles que, mais despertos para este tipo de escândalos, também se indignam, enquanto salpicam, angustiados, o logotipo da empresa, abusivamente impresso no equipamento de louça), provavelmente alienarei sectores importantes da minha audiência. Imagino que as meninas não se sintam revoltadas com este tipo de assunto. Falta-lhes sensibilidade, é o que é. Urinadores sentados, essa tropa que merece pouco mais do que o nosso desprezo, também não quererão saber muito mais. E acabarei resumido a meia dúzia de consciências despertas, como dizia o Walter Lippman, gente que se destaca da manada sem vontade nem rumo.
Pois bem, hoje é um desses raros casos. Se o amigo leitor não for um árbitro de futebol, peço-lhe para parar de ler agora. Não leia mais uma palavra. Por muito que me peça, não lhe tocarei no âmago. Nem em mais lado nenhum, acrescento, que estas coisas do tacto começam assim, com inocência e, quando a gente dá por elas, já são um caso de polícia e é uma vergonha, ai o senhor doutor não parecia nada dado a essas javardices, e estava na altura de colocar um ponto final nesta frase que este gajo parece o Saramago, Quem disse isso?, perguntou Blimunda, Respira fundo, Bulhão e interrompe a merda da frase para as pessoas poderem respirar fundo, cá vai então. Uff!
***
Caros senhores árbitros. Paulo Bento cometeu um erro crasso. Criticou vossas excelências e disse que os senhores eram muito dados a erros contra o Sporting. Não se faz. Sobretudo porque os senhores continuam com a faca e o queijo na mão e, como qualquer pessoa, não gostam que lhes apontem os erros que cometem todas as semanas. Eu também não gostava de ter aqui na repartição um fulano qualquer aos soluços e a queixar-se que eu troquei os impressos e fiz retenção na fonte a quem não devia. O meu problema com isso, excelências, é que eu tenho notado que os senhores têm errado ainda mais desde que o Paulo Bento vos acusou de burrice. É golos anulados. Penalties a torto e a direito. O Caneira e o Derlei são tratados como se estivessem num daqueles contratos de time-sharing e são expulsos do apartamento de quinze em quinze dias. E isso a modos que me custa. Por isso, como ele não vos pede desculpa, pedimos nós, aqui no Mãos ao Ar. Para todos os efeitos, considerem as linhas que se seguem como um pedido formal de desculpas do Sporting Clube de Portugal.
"O grau de evolução de uma sociedade pode ser avaliado pela forma como ela trata os seus árbitros. Em rigor, a citação original fala de velhos, crianças e animais, mas admitamos, para efeitos de retórica, que os árbitros são também uma parte importante do tecido social.
Os senhores são escolhidos por Deus. Ou pelo presidente do FC Porto, como queiram. Mas são uma elite, uma casta, os melhores entre os melhores. Merecem ser tratados como diplomatas. Têm na ponta do apito o futuro do mundo. Um mero gesto desperta a raiva de muitos e a euforia de outros. Os senhores são os novos imperadores, e os vossos gestos são nervosamente antecipados pela multidão, que espera, como de Nero, um polegar afirmativo ou negativo para saber se vos espanca ou vos leva em ombros.
Na vida profissional, ninguém vos leva a sério. Um trabalha num banco e passa o dia a aprovar créditos financeiros para aquisição de alfaias agrícolas. O outro trabalha numa fábrica de louça (será da Valadares?). Um numa companhia de seguros. O outro numa câmara municipal. Na rua, os transeuntes não se desviam à passagem de vossas excelências. Esperam nas filas como os comuns mortais. Ah, mas no campo tudo muda. Dispõem de poder. O poder de expulsar o Derlei e de lhe ler no rosto toda a sua raiva. O poder de insultar o Manel Fernandes no banco e de sublimar a raiva pelos quatro golos que ele marcou aos vossos numa célebre tarde de Dezembro. O maravilhoso poder.
Em nome do Sporting, gostava por isso de vos pedir desculpa. Os senhores são de facto a nata da sociedade. Não se fala mais nisso. E agora, se não for pedir muito, gostava de encomendar uma arbitragem decente para hoje à noite. Chamem-me lunático, mas eu gostava de acabar um jogo fora com onze em campo. Vejam lá isso.
Criado de vossas excelências, Bulhão Pato."
15 Comments:
Verdadeiramente delicioso!! talvez nao fosse mal pensado fazer daquelas petiçoes online com o pedido de desculpas, numa iniciativa ja antes implementada pelo Maos Ao Ar... :-D
Bulhão, devias ter escrito em braille.
SL
Com o senhor Paulo Costa a apitar?
Bem que podes pedir-lhes outra coisa qualquer...
O post é uma delícia. Do melhorzinho deste blog.
"Quem disse isso?" ahahahahahahah
vem mesmo a propósito...com as nomeações para este fim de seman bem vamos precisar desta tua declaração de intenções.
Gostei do "melhorzinho deste blog".
É mesmo assim. Diminuam as expectativas da velha, insultem a velha e vão ver se a velha continua a escrever aqui. Ai, ainda vão dizer que a velha fazia tanta falta.
É o Paulo Costa?... Hum... Já alguma vez leste um relatório escrito por ele? O melhor é dividires a prosa - que é reluzente - em tópicos de 5 a 7 palavras. Corta nos artigos, nunca uses advérbios de modo e tenta que os verbos venham sempre no presente do indicativo (e faz uso da 3.ª pessoa do singular recorrendo ao popular "você"). É só uma dica... Depois não digas que não te avisei. Ou, em alternativa, reformula o texto como se fosse um relatório da GNR sobre um atropelamento de um indivíduo de sexo masculino, aparentando entre cerca de 33 anos, na passagem de peões, por um veículo automobilizado ligeiro de cerca de 1400 de cilindrada que circulava fora-de-mão, sendo este mesmo veículo dirigido por uma indivídua do sexo feminino, de cerca de 68 anos de idade, a quem após efectuadas as devidas análises à quantidade de álcool no seu sangue (da velhota, entenda-se) veio o mesmo teste a acusar uma quantidade de 0,95 miligramas ou gramas ou lá o que é de grau alcoólico na sua corrente sanguínea, devido, salvo erro, ao facto de ter ingerido 0,75 centilitros (esta sei que é centilitros) ao almoço e tendo essa mesma senhora indivídua de terceira idade, já embrigada e péssima condutora, ainda por cima emborcado um J&B 15 anos em copo alto com duas pedras de gelo. A vítima do atropelamente não está muito bem.
(Did I just write that?...)
ÚLTIMA HORA:
COMUNICADO DO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
21:00h, 5 de Dezembro de 2008
1 – Chegou hoje ao fim o processo de negociação das medidas tomadas pelo Governo no dia 20 de Novembro para facilitar a avaliação do desempenho dos professores.
2 – Os sindicatos, neste processo, não apresentaram qualquer alternativa ou pedido de negociação suplementar, pelo que o ME dá por concluídas as negociações, prosseguindo a aprovação dos respectivos instrumentos legais.
3 – O ME, mantendo a abertura de sempre, respondeu positivamente à vontade dos sindicatos, expressa publicamente, de realização de uma reunião sem pré-condições, isto é, sem exigência de suspensão da avaliação até aqui colocada pelos sindicatos. Foi por isso agendada uma reunião para o dia 15 de Dezembro, com agenda aberta.
4 – Os sindicatos foram informados que o ME não suspenderá a avaliação de desempenho que prossegue em todas as escolas nos termos em que tem vindo a ser desenvolvida.
Mário Nogueira, dadas as suas declarações nos telejornais d ehoje à noite, é um mentiroso compulsivo e não pode ser um parceiro fiável para nada!
MFerrer
Não resultou. Hoje lá tivemos mais uma pérola! Não sabemos bem o que foi aquilo, mas foi contra o Sporting que é o que interessa.
Ó Bulhão, desculpa....... vá lá............ vá lá... e eu até elogiei.
Oh, que chatice, deixaste-me entediado e preocupado com o teu rumo a partir daqui.
Mas numa acertaste em cheio, a velha és tu.
Hummmmmm....
Gaita, eu a pensar que só tinha de me preocupar com o meu IPod, telemóvel, Magalhães e vá-se saber lá mais o quê entre hoje e amanhã.
Bulhão, esse comentério o que me merece é: Foda-se, Urraco, dois calduços, o rapto da familia e três pontapés na boca será assim tão dificil?
Chego aqui já com o jogo realizado o tem a vantagem de poder aferir se o apelo do meu caro Bulhão produziu efeito. Digo-lhe já que não.
Para já asseguro-lhe que tem que se esforçar um pouco mais para dar este seu leitor como perdido, mesmo discorrendo sobre urinóis. Por acaso também já me havia interrogado sobre o assunto. É verdade que há por aí muito arquitecto que não dispensa a marca “Valadares” nas suas memórias descritivas quando chega a hora de escolher a louça sanitária. Eu por acaso prefiro a Sanindusa (em particular a sua linha “cetus suspensos”. Inspira-me!). É nacional, é boa e até já ganhou prémios lá fora. Compreendo que a sua composição silábica final desaconselhe a sua instalação maciça em locais públicos. Poderia despertar sentidos que tornariam a pontaria menos exacta, pelo menos na secção dos urinóis. Confesso-lhe também o meu gosto particular pela Revigrés. É diurético e laxante aquele logótipo numa camisa às riscas azuis e brancas. E, como banda sonora, gosto de imaginar o João Pinto a proferir a sua célebre “o meu coração só tem uma cor: azul e branco!”
(Uff isto cansa. Leio-vos com atenção e gosto, mas para escrever tenho alguma dificuldade. Esclareçam-me pois então: é obrigatório estar de mãos ao ar? Para escrever não dá jeito. Para não ser desrespeitoso, e enquanto aguardo esclarecimento, escrevo a uma só mão, servindo da velha máxima da adolescência “quando a direita cansa a esquerda avança”. E eu não sou o Jordão, que, no seu exímio cabecear seria capaz de escolher tão bem as teclas como eu o faço com os dedos. De cabeça apenas tenho propensão para escolher as esquinas mais afiadas de tudo quanto é móvel, porta ou coluna granítica (acham que uma coluna não tem esquinas? experimentem acertar-lhe bem...). Até já ensaiei em postes de iluminação e sinais de trânsito. Com os pés não consigo mais que pontapés na sintaxe, gramática e ortografia).
No mais concordo consigo. PB cometeu um erro crasso. Tão grave como se eu insultasse o meu cirurgião na véspera de uma apendicectomia. Sabe-se lá que cectomia, por engano, claro, eu estaria sujeito. Concordo também que uma sociedade se pode classificar pela forma como trata árbitros como os nossos mais o deus que os nomeia a partir das preces do papa, seu representante terreno, dos seus cardeais e acólitos. Tudo iminências pardas e parvas, como os observadores que os classificam. Uma sociedade assim não merece um Sócrates mas um Idi Amin Dada.
Voltando ao principio. Acho que os árbitros ou não lêem o “Mãos ao ar”. Ou se lêem não atenderam ao seu pedido. Por acaso o meu caro teve o cuidado de lhes enviar ao menos um pequeno cesto de fruta? Pois…
...Eu não queria acreditar quando vi ontem (mais) um golo anulado ao Sporting.
Discordando do Leão de Alvalade, eu acho que eles lêem o Mãos ao Ar. Pior: lêem e fazem troça.
Abraços
Meu caro Bulhão aqui lhe deixo o meu aperto de mão virtual! Absolutamente notável!
Mais um golinho anulado.
Parece que o pedido de desculpas ainda não foi suficiente. Siga com a petição online.
Eu assino...
SUBLIME!!!!!
Delicioso! E, caro Bulhão, não tens que te preocupar: a produzir textos destes, o pessoal não abandona a barraca.
Abraço Leonino!
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