O Legado de Lazaroni
Tenho, com a selecção brasileira, um problema de afecto mal resolvido. Exijo-lhe mais do que às outras: comovo-me quando a vejo em pleno, respeitando o legado de Pelé, Rivelino ou Sócrates, mesmo que perca; não a poupo quando a vejo jogar para o 1-0, feia, atlética, igual às outras, mesmo que ganhe.
Qualquer selecção brasileira num Campeonato do Mundo oscila, para mim, entre dois pólos: de um lado, está a perfeição, o respeito por um estilo único, feito de passes curtos, drible fácil e qualidade técnica acima da média de TODOS os jogadores. Esse é o pólo a que chamo Telé Santana, em homenagem ao seleccionador de 1982, que transformou os jogos da «canarinha» nos recitais mais brilhantes que vi num Mundial.
Ao pólo oposto chamo-lhe Sebastião Lazaroni, por castigo ao seleccionador de 1990, que traiu o estilo e a história do futebol brasileiro, que italianizou a selecção brasileira e que lhe incutiu músculo em vez de arte.
Numa análise muito pessoal, diria que a selecção de 1986 esteve perto do pólo Telé, ao passo que a equipa de 1994, mesmo campeã, foi dolorosamente parecida com a de 1990. As representações de 1998 e 2002 foram casos híbridos: a espaços, interessantes, na maior parte das vezes geraram bocejos incontroláveis.
As equipas de Parreira [1994] e de Scolari [2002] foram campeãs, argumentará o leitor mais prático. Pois que lhe façam bom proveito. Aqui fala-se de estética. De Arte. De triar aqueles que justamente celebram a pureza do jogo dos outros, os que o tornam cerebral – triste eufemismo, este! – e maçador.
Depois dos jogos do Brasil com a Croácia e a Austrália neste Mundial, tento encaixar a actual equipa de Parreira sem injustiças e sem julgamentos precipitados. Mesmo com essas cautelas, a selecção brasileira parece-me perigosamente perto dos índices de 1990. É lenta. Terrivelmente lenta.
Está envelhecida e tresanda a naftalina, gasta como um vestido carcomido pela traça.
Defende mal.
Joga com sobranceira, certa de que a sorte lhe deve o resultado e, mais cedo ou mais tarde, a favorecerá.
Até pode passar dos oitavos-de-final. Até pode chegar às meias-finais. Até pode ser finalista. Até pode levantar o caneco! Tenham paciência, mas NÃO CHEGA! Aos guardiões da genialidade do jogo, pede-se sempre mais. A imortalidade conquista-se no coração dos adeptos – não é decretada pela FIFA, nem é garantida automaticamente quando se ganha um troféu.
Talvez seja por isso que, ainda hoje, recito de cor o onze de 1982 * e tenho sérias dificuldades em lembrar-me de mais do que dois jogadores de 1994 [Bebeto e Romário].
* Valdir Peres; Leandro, Oscar, Luisinho, Júnior; Toninho Cerezo, Falcão, Sócrates, Zico; Serginho e Éder
8 Comments:
Chutar canguru atropelado é moleza.
E se fosse uma seleção como a do Los Hermanos?
Um pouco mais de humildade é sempre bom. O jogo é jogado e não falado. Falar de fenômeno, seleção estrelada, quadrado mágico, que a meu ver é no máximo um triângulo, é fácil. Quero ver em campo!
Um abraço
Marco Aurélio
Joga com "sobranceria". Estás armado metereologista, como o JPP?
Valdir Peres, mas que grande frangueiro é que foste lembrar...
Hom'essa, ó Guitarrista, então porquê?
Alvar,
O Peres era mesmo um frangueiro. Mas, na lógica do post, não podia admitir que, no meu onze perfeito, havia um camafeu desajeitado.
quando quero relembrar porque sou um apaixonado por futebol...lembro-me sempre dessa selecção de 82..apesar do valdir e do serginho. não era arte..era futebol mesmo..daquele que jogava na rua com os meus amigos.
Muito se fala da selecção de 82... Realmente era um futebol bonito. Mas ainda mais bonito foi o futebol da Itália que a eliminou! Para quem não se lembra, a Itália não ganhou com penaltis, não ganhou por 1 a 0, não defendeu o jogo todo. O jogo acabou 3-2 com inteira justiça!
O Brasil deu tudo em campo e a Itália mostrou ainda mais! Com espectáculo e eficácia!
Depois desse jogo, o caminho até à vitória final foi um passeio!
Forza Italia! (sem conotações políticas!)
tens razão, dificil lembrar o 11 de 94. Aos teus dois acrescento mais dois, os unicos que me lembro:
Tafarel e o capitão Dunga.
O Mundial de 82 teve excelentes equipas: o Brasil e a França (Platini, Tigana, Giresse, ...) acima de todos as outras em futebol-espectáculo. A Itália fez grandes jogos depois da 1ª Fase e esses 3-2 com o Brasil são a nota que trouxe merecimento ao título alcançado. Mas a verdade é que na 1ª Fase nem mereciam ter sido qualificados - terminaram com o mesmo nº pontos dos Camarões e a mesma diferença de golos, mas os Camarões jogaram muito (muitíssimo) melhor...
Mundial fabuloso, esse!
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