O Vírus Venâncio
Pedro Venâncio era um jogador mediano. Não saltava especialmente bem. Não era particularmente veloz. Não se salientava pela tenacidade com que defendia. Nem pela inteligência de processos. Fora do campo, era tristonho, acabrunhado, escondia-se dos holofotes. Se Venâncio fosse um animal, seria um gnu dissimulado numa manada do Serengeti. Um entre a multidão. Nada nele chamava a atenção.
É certo que fizera parte de uma geração inigualável da formação do Sporting. Em 1982, a selecção nacional de sub-18 participou no Campeonato da Europa, na Finlândia, com um onze-base em que pontificavam oito (8!) jogadores do Sporting. Ralhou-se de inveja com o seleccionador. Que não podia ser. Que era de mais. Mas a verdade é que, naquela fornada de jogadores portugueses, os melhores talentos saíram de Alvalade. Um tornou-se craque de dimensão planetária: Paulo Futre. Quatro não chegaram ao onze principal sénior do Sporting, mas tornaram-se razoáveis jogadores de I Divisão: Germano (que se destacaria no V. Guimarães); Eugénio (no Farense); Ferrinho; e Sérgio Louro, esse mesmo, o guarda-redes mentecapto da Baixa da Banheira.
Os restantes três foram integrados no plantel sénior e somaram pelo menos cem jogos de leão ao peito. Eram Morato, Fernando Mendes e… Venâncio.
Venâncio, repito, não era um fora de série. Pontualmente, lá arrancava uma exibição de arregalar o olho: a eliminatória com o Nápoles (0-0); o jogo de Alvalade com o Inter (0-0); um jogo bestial nas Antas (0-1). Mas, na maior parte das vezes, era por ele que a corda partia.
Já no ocaso, Venâncio celebrizou-se pela pior razão. Não havia jogo com o FC Porto em que o central do Sporting não fosse toureado pelo búlgaro Kostadinov. Um, dois, três golos! Dezenas de fintas. Driblado em velocidade. Ultrapassado em astúcia. Nos duelos com o central do Sporting, Kostadinov levava o rabo e a orelha para a casa.
À medida que o registo se acumulava, pior era! Venâncio entrava a medo, sem ganas. E mais uma finta. E mais um golo. A faena tornava-se penosa, humilhante, imprópria para menores. Quando Kostadinov pedia a bola junto à linha para duelos individuais com Venâncio, Alvalade deixava de respirar. Calava-se antevendo a desgraça. As pernas do defesa vacilavam, as do avançado tremiam de ansiedade. No edifício que era a equipa do Sporting, Venâncio era o alicerce de gelatina. E o edifício ruía.
Um dia, Pedro Venâncio pediu para sair. Do jogo e do Sporting. Saiu sob apupos, mais de uma década depois de ter entrado. Nunca o admitiu, mas deve ter transposto o túnel do velho estádio com um suspiro de alívio: dali para a frente, o búlgaro só o ultrapassaria em pesadelos!
***
No passado sábado, Liedson juntou mais dois golos ao seu total acumulado em jogos com o Benfica. Já lá vão 6. Três no ano passado (dois para o campeonato e um para a taça) e mais três este ano (todos para o campeonato). Em comum nas partidas em causa, esteve Luisão, o vírus do Benfica.
Entendamo-nos: Luisão não é mau central. Não é o Bobby Moore que os adeptos do Benfica querem fazer crer, mas não é mau central. Está seguramente na minha lista dos três melhores defesas do campeonato. Simplesmente, Luisão sofre do vírus Venâncio. Se tiver de marcar Liedson, fará um jogo quase imaculado. O “quase” é o golo que Liedson marcará.
Na Luz, no passado Sporting, Liedson entrou para a lenda do «derby». É certo que não chegou para “A Bola” desenterrar as notas 9 ou 10 que destina apenas aos predestinados do Benfica. É um critério, com certeza – faz parte do regulamento interno do jornal. Mas o que Liedson fez a Luisão no lance do segundo golo não se apaga. Até a mim me custou ver e nem foi no meu cachaço que a bandarilha foi cravada!
A Luisão, deparam-se agora dois caminhos: um, o mais fácil, é a invenção de um lesão da próxima vez que tiver de subir ao mesmo relvado de Liedson. O outro, mais penoso, é jogar como se nada fosse e aguardar pela próxima ferroada. Deste cantinho, desejo ardentemente que Luisão suba novamente à arena. É que o espectáculo sem o meu touro preferido perde algum encanto! E, para variar, o touro pertence ao vizinho.
14 Comments:
Folgo em ver que a ida à máquina de lavar não provocou danos na escrita. Por outro lado, a semana de festividades pós-derby está agora completa. Um abraço.
Olé!
Luisão um dos três melhores centrais do Campeonato?
Faço minhas as palavras de um amigo brasileiro que, quando um benfiquista lhe perguntou o que achava sobre o Luisão, disse:
"Luisão? Esse cara é uma merda!"
O Luisão é infinitamente melhor do que qualquer central que lá tenhas. Teve azar no sábado, mas é melhor. Compará-lo ao Venâncio é um sacrilégio.
O que aconteceu ao "Campeões somos nós", Jay Jay?
Também reparei nesse "critério" de A Bola no que toca às classificações..Se 1 penalty sofrido, 2 golos, uma rabia ao Luisão, uma cueca no Anderson, 2 sabonetes no Moretto, e um rabo e uma orelha do Petit não merecem mais que um 8..Eu não queria ter aquele cronista como professor...
O Luisão é um jogador com um cotovelo deslumbrante que vale campeonatos APAF. Em relação ao resto concordo com o rr: é um cara de merda!
Depois de lidos os comentários, já tendia a desviar-me do essencial: o post. Muito bom. E a análise é pertinente e acertada. O critério d'A Bola está para o Liedson como o do Público está para todos os jogadores do Benfica - quem tiver dúvidas, consulte as páginas semanais com "as selecções do Público".
Relativamente aos comentários, só alguém com alguma dificuldade de análise pode dizer que Luisão é uma merda. Certo, não é o infalível que alguns pintam, mas daí a ser merda... Eu já lá tive o Paulo Madeira! E essa história do cotovelo é à José António Lima - o homem que acorda, de madrugada, sobressaltado com um pesadelo em que Luisão ameaça a humanidade destruindo cidades inteiras. À cotovelada. Até mulheres ele viola com os cotovelos!
Olé!!!
A faena foi das mais divertidas a que assisti, e Liedson levou tb o rabo a orelha do alcides no 3º golo.
Só tive pena, muita pena, de não terem sido 1-7.
Alguma vez teria de ser... discordo em absoluto contigo Bulhão!!
Venâncio foi dos melhores centrais que vi jogar em Portugal e teria sido dos melhores do mundo não fossem as lesões consecutivas nos joelhos.
Para mim é sem margem para dúvidas uma das maiores referencias do Sporting, o que não é dizer pouco.
E formou com Luisinho das melhores duplas de centrais do mundo... pena ser só por uma época, fruto das vicissitudes de ambos.
O Luisão teve azar no sábado???
Pelos vistos tem sempre azar quando "leva" com o Liédson já que quando não é papado pelo ar também o é pelo chão. Não é por o homem ser do Benfica mas acho que está sobrevalorizado.
Ah...e o Venâncio não era assim tão mau, mas com o Luisinho ao lado qualquer um faria boa figura, era classe pura!
Gostei do Venâncio mas era um jogador que tinha azar nas alturas decisivas. E nós precisamos de jogadores que, para além do resto, tenham sorte.
No lance do 2º golo, o Liedson humilhou o Luisão, o pilar (de gelatina?) da defesa encarnada.
Última palavra para Luisinho: já não existem mais defesas como ele. Nota 10.
informe se antes de falar de grandes jogadores como foi Pedro Venâncio.
informe se antes de falar de grandes jogadores como foi Pedro Venâncio.
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