Mãos ao ar

Blogue de discussão desportiva. Qualquer semelhança entre este blogue e uma fonte de informação credível é pura coincidência e não foi minimamente prevista pelos seus autores. Desde já nos penitenciamos se, acidentalmente, relatarmos uma informação com um fundo de verdade. Não era, nem é, nossa intenção.

segunda-feira, janeiro 29, 2007

Algo me diz...


... que este cavalheiro vai meter baixa da próxima vez que o calendário o mandar jogar em Barcelos. Ou no Funchal.
Gente do alto, como diria o saudoso Wilson Brasil.

Precisa-se: Empregado sem experiência

Jovem,
Confundes descargas de adrenalina com descargas da dona Lina?
Consegues repetir a frase "Neste lance, creio que o Sporting não tem razão"?
Desconheces todas as leis do jogo?
Tens a honestidade intelectual de um organismo unicelular, daqueles que só vivem dois ou três segundos?
Conheces todos os corpos sociais do Boavista – incluindo o senhor que estava para ser vogal da assembleia-geral, mas declinou amavelmente o convite – mas confundes o Djaló com o Pereirinha no banco de suplentes do Sporting?
Então, pega num microfone e vem trabalhar connosco.
Sport-TV, jornalismo de causas.

domingo, janeiro 28, 2007

Estreia

Já levamos alguns anos disto. Já vimos golos com a mão, foras-de-jogo de metros, penalties absurdos e expulsões tragicómicas, mas, em tantos anos, não me lembro de ter visto um penalty transformado em expulsão. Mérito, claro, do Olarápio Benquerença, predestinado do apito.
Com os pontos aldrabados na primeira volta frente ao Paços de Ferreira, teríamos neste momento... vejamos... noves fora e vão quatro... É fazer as contas, como diria o Guterres. É fazer as contas.
A título de curiosidade, a última grande-penalidade assinalada contra o FC Porto data de 6 de Fevereiro do ano passado (há 356 dias). Para encontrar uma contra o Benfica, é preciso recuar exactamente 365 dias (28 de Janeiro). Nesta temporada, ainda nenhum dos dois foi punido com um penalty e só o Sporting, claro!, tem um saldo negativo entre penalties assinalados a favor e contra... Mas é tudo absolutamente normal.

sexta-feira, janeiro 26, 2007

Match Point

Pela primeira vez, o Mãos ao Ar abre espaço a uma modalidade muitas vezes votada ao ostracismo – o ténis. Sim, esse desporto muitas vezes associado aos “queques”, aos meninos e meninas bem, aos pedantes que fazem questão em vestir “pullovers” ou camisas Sergio Tachini e Dunlop. Para mim, a ténis é um entretém, desde os tempos dos míticos duelos entre John McEnroe e Bjorn Borg. Hoje, curiosamente, acho piada quando vejo alguns barrigudos baterem bolas nos “courts” do Estádio Universitário ou do Inatel. E percebi, então, que o ténis não é uma modalidade elitista – não é por acaso que as duas raquetes cruzadas nas meias brancas dos benfiquistas são um dos seus símbolos mais queridos. E, como se sabe, se há qualidade que não rima com benfiquismo é elitismo.
Entre McEnroe e Borg, sempre preferi o primeiro. Gostava muito mais do mau génio do americano em versão réplica dos irmãos Dalton do que da cavalheiresca frieza glaciar do sueco. Mas o que eu gostava, mesmo, era de assistir às provas femininas. Eu sei que é uma das obsessões de velhadas como eu que se babam a ver umas meninas de mini-saia a correrem atrás de umas bolas. Imaginem o que quiserem, mas quantos de vós também não são “voyeristas” e ficam pregados ao ecrã, só para dar uma espreitada à mini-saia que sobe com uma imprevista rabanada de vento e deixa revelar um pouco mais de umas pernas bem torneadas? Mas desiludi-me também com algumas moças: Navratilova, que gostava mais de mulheres do que eu; Arantxa Sanchez, que ganhou alguns jogos graças aos esgares e grunhidos com que assustava as adversárias, e outras quantas aberrações que nunca deveriam ter pegado em raquetes, para bem da modalidade. Mas, nos últimos tempos, começaram a surgir umas caras larocas: Martina Hingis é engraçadinha, mas nada pode fazer perante o batalhão de beldades que veio do Leste – Croácia, República Checa e, sobretudo, da Rússia. Kournikova fez com que muitos adeptos adquirissem a doença de Parkinson só de a verem na televisão, mas a jovem loura tinha um pequeno problema: era muito mais ágil nas “passerelles” e nos contratos publicitários do que nos “courts”. Sei que isso não interessa para nada e, por isso, fiquei fã incondicional da loura durante uns anitos. Mas a russa foi destronada do meu pedestal por outra russa. É linda, loura, olhos claros e dotada de particularidades anatómicas, digamos, interessantes (sim, porque o Mãos ao Ar é um blogue sério). E com uma característica estranhíssima para quem tem tais atributos – joga mesmo ténis a sério, até ganha e tudo!
Não vejo a hora, portanto, de ver Maria Sharapova em acção na final do torneio feminino do Open da Austrália. Mini-saia amarela, top branco decotado, cabelo louro preso no boné e... “ploc… “ploc” (som da baba a escorrer para o teclado) uns gemidos cada vez que bate a bola que associo imediatamente aos separadores do canal Vénus. Tal como tenho a certeza que a maior parte dos leitores vão torcer pela doce Maria, também vou ficar agarrado à Eurosport para vibrar com os “winners”, os “passing shots” e os “ases” da minha russa preferida. Aliás, confesso que estou-me um bocado nas tintas se ela ganha ou perde. Basta vê-la mexer-se e gemer. “Ploc”, “ploc”, “ploc”...

quinta-feira, janeiro 25, 2007

Javardos arrogantes! Mas bons!



(a imagem é um excerto do anúncio da Mitsubishi publicado hoje na imprensa)

Só há duas provas menos emocionantes e mais previsíveis do que o campeonato português de futebol: a Liga escocesa de futebol, onde a faixa de campeão é entregue por ciclos de nove anos alternados entre o Rangers e o Celtic. E o Dakar, onde a Mitsubishi ganha invariavelmente a prova, deixando a concorrência a horas de distância.
Este ano, parecia que os Mourinhos do todo-o-terreno iam finalmente perder.
E lá voaram 100 euros na Bet and Win.

terça-feira, janeiro 23, 2007

Combine aqui o seu arraial de pancadaria

Os dirigentes da Força Azul, claque do Beleneneses, queixaram-se de agressões sofridas em Gondomar, na sequência de ameaças deixadas ao longo da semana por adeptos boavisteiros em vários blogues.
Duas ideias intrigam-me desde logo: em primeiro lugar, fico fascinado por saber que o Boavista tem adeptos, assim mesmo, no plural, o que normalmente indicia que é mais do que um. Fico muito contente.
Em segundo lugar, não posso deixar de notar com repúdio que, como sempre, o Mãos ao Ar é o carro-vassoura do desenvolvimento tecnológico. Já há para aí gente que combina arraiais de pancadaria pela Internet e faz ameaças alarmantes em blogues enquanto nós ficamos contentes se conseguirmos mandar com sucesso um SMS de um para o outro. São as assimetrias, é o que é.
Não vamos porém chorar sobre o leito do Ramalho. A partir de hoje, podem aproveitar este espaço para combinar festivais de pancadaria de norte a sul (para as ilhas, terão de esperar mais uns meses, que o blogue ainda não chega lá – faltam-nos uns metros de fibra óptica ).
Começo eu.
Assunto: Pancadaria com a malta do Pinhalnovense
Dia: 10 de Fevereiro (Taça de Portugal)
Assunto: Ppl de Pinhal nv. Tareia de kaixão à kova. Vcs vão ficar a anhar. Mongos do crl. Qd eu y o Sancho akabarmos com vcs, vão pensar k vos sodomz com uma esfregona Vileda. Lol. Grrr.

segunda-feira, janeiro 22, 2007

150 gramas de narcisismo

Um comentário no post sobre o plágio do jornalista de “A Bola” (ver aqui) motiva reflexão séria deste vosso criado. Em primeiro lugar, a jornalista que assina a réplica defende que o caso em análise não se tratou de plágio, mas sim de um esforçado processo de documentação. É um argumento que convence pela convicção. Nem quero dizer mais nada para não estragar, mas não resisto a uma gracinha: “solidariedade corporativa” escreve-se com “o” ou com “u”?
Mas o verdadeiro pontapé de saída para a discussão é o repúdio sentido pela profissional de jornalismo em relação aos blogues, esses antros viscosos do submundo da Internet. Eu também penso assim. Aliás, penso nos blogues como covis de gente narcisista, mal-educada e deslumbrada porque subitamente alguém a leva a sério. E estou só a pensar no meu colega Sancho.
Mais a sério: não tenho ilusões quanto à pseudo-revolução produzida pela blogosfera. Não somos os arautos da liberdade de criação nem nos tornámos, com um passe de mágica, em finos produtores de conteúdos, independentes das organizações institucionalizadas de comunicação. Não somos porta-estandartes dos amanhãs que cantam, nem franqueámos as portas que Abril abriu – mais dois versos do Manuel Alegre e desato a chorar…
Dito isto, porém, há algumas brincadeiras permitidas pelos blogues que são inéditas. E que pontualmente moem os media enraizados. Uma delas é a confirmação da célebre tirada do poeta satírico Juvenal: Quis custodiet ipsos custodes?
Quem é Juvenal, perguntam? E como se explica a aposta no Custódio? De bola, já se vê, Juvenal percebia pouco, mas o senhor até tinha visão de jogo e perguntou à posteridade: quem policiará os polícias? Resposta: para alguns, a brigada de trânsito! Para outros (espero que para a maioria), os blogues. Nós somos vigilantes. Não produzimos nada de jeito, mas vigilamos... ahem... vigiamos, com olhos de condor, com astúcia de raposa, com córneas de lince – metáforas finíssimas! Finíssimas! – o trabalho dos media. E denunciamos, normalmente aos urros e ameaçando com pancada, que o rei vai nu e os jornais se enganam. Metem a pata na poça. Publicam mentiras e meias verdades. Insinuam calúnias e boatos. Não distinguem notícias de opinião. Copiam textos uns dos outros. São refúgio de colunistas cujos raciocínios parecem produzidos por microcéfalos. E, mais grave do que todas estas tropelias, FAVORECEM O BENFICA!
Dirá a jornalista que os senhores é que têm o treino, a especialização para formatar a informação em pacotes consumíveis. Sempre que escuto esse argumento, lembro-me do João Querido Manha e não consigo parar de rir. Esforçando-me por conter a gargalhada gutural, argumento que a tarimba jornalística é um desses conceitos mal definidos, que se usam para justificar tudo e mais alguma coisa, mas que são indetectáveis e não resistem a uma análise de senso comum. Um pouco como o "cheiro de balneário", a "mística do Benfica", "o passivo do Sporting", a "imparcialidade dos árbitros" ou "a heterossexualidade do Nuno Gomes".
Sugere-se ainda na resposta da jornalista que os blogues são o espaço privilegiado dos narcisistas. Aí estou disposto a conceder o ponto: sou bastante vaidoso. Aliás, eu sou o meu motivo favorito de conversa. Ainda hoje, na missa, quando o padre invocou o todo-poderoso que está no céu, eu perguntei ao fulano que se senta ao meu lado: "O que é que o gajo da batina me quer?".
Acrescento uma última achega à vaca fria (e não veja aqui qualquer insulto, menina, que isto é uma expressão idiomática da nossa terra!). Os blogues, com todos os seus defeitos e maníacos (basta passar pelo blogue do Pedro Neto para perder qualquer fé na evolução darwinista), são escrutináveis. Têm contadores precisos de audiência e não necessitam de fabricar dados de circulação ou audiência. São o que são: chegam a algumas dezenas de maluquinhos e não têm de fingir que representam a sociedade civil. Quantos jornais conhece que podem dizer o mesmo?

domingo, janeiro 21, 2007

Decerto esqueceram-se...

Não há menções à vitória do Sporting sobre o Benfica (2-1) no campeonato nacional de futebol de taberna nas primeiras páginas dos três jornais desportivos do país. Decerto esqueceram-se. Ou não encomendaram tinta verde. Ou coisa assim.

sexta-feira, janeiro 19, 2007

Ensaio sobre a demagogia

Diz o "JoãoSCP78" , do Sector B32, que o texto que aqui escrevi (ou, melhor, o título que escolhi) sobre a venda de património do Sporting foi o “mais demagógico” que viu “nestes últimos tempos pela blogosfera nacional”. Que o que escrevi é “penoso”, “mesmo grave”. E que ele ficou “desiludido”.
O João considera-se esclarecido sobre o processo de crescimento do passivo. Considera que a venda do património não oferecia alternativas. Que o aumento da dívida/passivo foi uma consequência evidente do processo de construção em que o Sporting se lançou nos últimos 10 anos. E sugere que quem não reconhece estas evidências, deverá contactar a Real Academia Sueca das Ciências, presumivelmente para se candidatar ao Nobel.
Por incrível coincidência, a opinião do João baseia-se em factos irrefutáveis, enquanto a minha, coitada, espoja-se na mais pútrida demagogia. É verdade que há opiniões mais bem parecidas que outras e, nestas coisas, quando se tem os conhecimentos certos, consegue dar-se à nossa opinião uma carreira melhor. Outras há – as estupores! – que nascem tortas e ficam desde logo guardadas para um emprego na estiva.
Rectificado o erro, apresso-me a corrigir o tiro que, por malícia e sem pensar na gravidade da acusação, penosamente desferi nessa alma boa que é o Presidente Soares Franco. Apelo aliás aos leitores que rapidamente o façam também porque estas coisas das demagogias pegam-nos na mão, levam-nos a gostar delas e, quando julgamos que nos querem a bem, levam-nos para vielas esconsas e lúgubres. O que manifestamente está mal.
Após reflexão, este é o texto que eu gostaria de submeter à audiência, aguardando depois que o João o valide.

Todos saúdam Soares Franco. O brilhante estratega que nos lidera e que nos providencia o bem-estar, o Sol que brilha no céu e as pernas da Merche Romero teve mais um golpe de génio, embora seja um pouco presunçoso da minha parte tentar avaliar os actos do Grande Líder. Eu gosto muito de Soares Franco. E espero que ele encontre piedade no seu coração para gostar um bocadinho de mim.
A venda do património livrou-nos dessa preocupação que é ter terrenos e bens, posses que só confundem as mentes simples e geram incerteza nos mais nervosos. Todos aplaudimos Soares Franco, a quem desejamos vida longa.
Soares Franco deu-nos também um passivo, que é um dos melhores amigos do homem porque nos faz muita companhia. E como ele é um presidente bondoso, fez questão de nos dar um bem grande, que é para durar para a vida toda.
Como bom pai, Soares Franco deu-nos ainda um relvado. Mas avisou-nos com severidade que este não é para estragar com invasões de campo, jogos de futebol ou pontapés com muita força. Estima os brinquedos, rapaz, que para o ano dar-te-ei um novo, pensou o nosso líder.
Muito obrigado, Presidente, por nos querer tanto bem. Longa vida a si e aos seus.

quarta-feira, janeiro 17, 2007

Fábula Indiana


Bulhão tinha sido uma ovelha fiel do rebanho de Vishnu. Andara nu em pelota pela floresta alimentando-se exclusivamente de palitos lareine, não matara uma única das criaturas divinas e nunca votara em Santana Lopes. Considerava-se, portanto, pronto para o último julgamento, a fase decisiva do hinduismo que Vale e Azevedo teima em não cumprir. Há sempre mais um julgamento para ele, coitado! – lamentava o nosso bom peregrino em sânscrito.
Chegado ao fim da vida, a trindade constituída por Brahma, Shiva e Vishnu decidiu premiá-lo com uma reencarnação de estalo: deu-lhe a escolher a configuração que desejaria para a vida seguinte. Bulhão pensou, pensou, pensou. Por fim, curvou-se respeitosamente e disse:
- Toda a vida, ó membros da Triburti, fui do Sporting e sofri muito, muito com as direcções desonestas do meu clube. Se não se importam, eu gostaria de ter menos escrúpulos na minha próxima vida. Gostaria de me chocar menos com comissões por baixo da mesa e com negócios sujos.
- Com certeza, disse suavamente Brahma. Queres ser o Carlos Freitas?
- Credo, Brahma – contrapôs Bulhão. Eu quero continuar a ser sportinguista! Mas gostava, ao mesmo tempo, de ser menos lúcido, de memorizar menos dados e promessas. Gostaria de ter mais lapsos de consciência.
- Já percebi – disse Shiva com doçura. Queres ser o Dias da Cunha?
- Não! – rogou, angustiado, Bulhão. Lapsos, sim, mas gostava a valer de reencarnar sem ficar xexé! Ó membros da Triburti, o que eu queria mesmo era ter capacidade para dizer as maiores mentiras com um ar bonacheirão e assumir despesas grosseiras para o clube sem ter a mínima ideia de como as pagar.
- Assim será, garantiu Vishnu. Serás o Luís Duque na próxima vida.
- Ó divindades do crl... – irritou-se o bom peregrino. Não tarda muito e chateio-me. E começo a disparatar, e a dizer palermices, e a espumar perdigotos e a insultar toda a gente.
- Como queiras – disseram em coro os membros da trindade. Serás então o Dias Ferreira!
E assim foi.

Apesar de tudo, ele é filho de benfiquista



Miguel Veloso, jornal "Sporting", 16/01/2007
«-Também já tem alcunha no balneário?
- Sim. Chamam-me Floribella, por causa dos cuidados que tenho com o cabelo (…risos)"

terça-feira, janeiro 16, 2007

Eles vendem tudo… e não deixam nada!

Lançam estimativas astronómicas do passivo que os pobres, coitados!, não compreendem. 200 milhões, 300 milhões: chega a um ponto em que é tudo igual. O último número, que o Abade refeito anunciou na Antena 1, tem requintes de malvadez: 276 milhões! Transpirando precisão de gestão numa casa onde todos gastam e ninguém presta contas, o clube que outrora foi modelo já nem tenta sacudir a lama que conspurca as roupas anteriormente impecáveis.
Riem-se, com o escárnio próprio dos inimputáveis, enquanto anunciam passes de mágica e soluções milagrosas para combater o défice. 50 milhões daqui. 40 de acolá. Doze anos depois da chegada dos arautos do Projecto, o Sporting deve mais e possui menos. Notável, pensa o pobre, que compra bilhetes cada vez mais caros, paga quotas cada vez mais altas e tem acesso a cada vez menos benesses do clube-empresa. Eles devem saber. Afinal, eles é que são os gestores!
No edifício-sede, onde em breve se pagará renda por aquilo que já foi nosso, o grupo dos fiéis defende a administração com unhas e dentes. Pudera. O clube tornou-se refúgio da mediocridade. Tornou-se, à boa maneira do Fialho de Almeida, uma albergaria onde quarenta ou cinquenta esfomeados, “impostos exclusivamente pela fidelidade partidária, ali instalam, como num almargem d’engorda, o seu contágio de rezes tinhosas e matreiras”.
Escarnecem da oposição com a arrogância dos tolos, certos de que a corda que os ampara continuará sem vergar. As propostas dos outros são genericamente afastadas, sem debate, sem aprofundamento. As deles – as do Projecto – ganham contornos de lei. Mantenho-me fiel ao Fialho que, cem anos antes, tirou bem as medidas a este estranho país: “A asneira lapidada em sentença tem para os tolos a vantagem de parecer coisa profunda, e para os espertos a desculpa de muitas vezes passar por ironia.” Nem mais! A secretaria vende-se ao Deutsche Bank por menos do que a outra proposta. Claro como água. Quem diz o contrário é tolo!
E a turba? Uns afastam-se, desgostosos, sem esperança nem fé, evocando, amargurados, os velhos tempos. Outros, poucos, pugnam nas assembleias, gastam tempo no estádio, escrevem manifestos e cartas à administração. O clube que conheceram escapa-se-lhes entre os dedos, como um grão de areia triturado pela imparável engrenagem da bolsa.
A turba, essa, come e cala. Alterna entre o feroz e o sentimental, agitando-se ao sabor das vitórias e das derrotas, pronta a levar em ombros os papagaios de comício ou a espezinhá-los impiedosamente ao primeiro desaire.
A venda final foi concluída, senhores. O regabofe continuará, estou certo, ao sabor das negociatas dos ladrões modernos, de colarinho, gravata e botões de punho, muita lábia para os papalvos e notável capacidade para essa arte leonina que é o parasitismo.

segunda-feira, janeiro 15, 2007

A Bola em Moldura Amarela

Estive fora na semana passada, mas uma alma caridosa guardou-me a imprensa desportiva. Debruço-me, pois, sobre a reportagem do enviado-especial de “A Bola” ao Dubai. Afinal, não é todos os dias que se pode ler reportagem nos nossos jornais, tão maltratado anda este género jornalístico, regularmente preterido em benefício da crónica, da entrevista ou da notícia.
Leio algumas linhas e pasmo. Já vi aquilo em qualquer lado. Ora comparem a peça de “A Bola” com a reportagem da National Geographic sobre o Dubai, publicada na edição de Janeiro deste ano:

Na NG: «De vez em quando, ao alvorecer, e na companhia do filho, Mohammed, o xeque Rashid bin Saeed al Maktoum passeava a pé pelas docas e desenhava no ar o seu sonho, com palavras e gestos.»
Em “A Bola”: «Mohammed caminhava nas docas, pela mão do pai, e ouvia os planos e ideias, contemplava o sonho que decidiu elevar aos limites do surrealismo (…)»

Na NG: «(…) fui às compras a um centro comercial. Segundo consta, o Dubai possui mais centros comerciais por consumidor do que qualquer outra cidade do mundo, os quais estão sempre cheios, de noite e de dia, com o tipo de multidão habitualmente encontrada no Dubai: mulheres sauditas de véu, inspeccionando peças de lingerie na Victoria’s Secret (…)”
Em “A Bola”: “(…) não deixa de ser curioso ver as mulheres sauditas, de véu, nas lojas de lingerie da Victoria’s Secret

Na NG: “(…) passeando entre fontes e lojas, enquanto dos altifalantes ressalta bem alto o som da música pop ocidental, a banda sonora da globalização. O tema principal do filme Titanic, cantado por Céline Dion, passava tantas vezes no centro comercial Hamarain que os lojistas apresentaram queixa.”
Em “A Bola”: “Pelo que a nossa reportagem teve oportunidade de testemunhar, Celine Dion é famosa por estas bandas. Durante o almoço, ouvimos quase todos os hits da cantora e viríamos a saber depois que, num outro centro comercial, a música my heart will go on, do filme Titanic, passava tantas vezes que os lojistas apresentaram queixa…”

Na NG: “Escolhi o Mall of the Emirates, um dos maiores centros comerciais do Dubai, um colosso com 223 mil metros quadrados, equipado, entre outras coisas, com uma pista de ski interior.”
Em “A Bola”: “Ao entrar no maior centro comercial do mundo, o Mall of the Emirates (223 mil metros quadrados), parecemos esquecer-nos [SIC], por momentos, de que estamos num país árabe (…) O maior centro comercial do globo (Mall of the Emirates) tem uma enorme pista artificial de ski…”

Na NG: “’Percorremos um longo caminho’, conta Alabbar, no local do projecto Burj Dubai, uma estrutura altíssima, em forma de torpedo, que será o edifício mais alto do planeta em 2008.”
Em “A Bola”: “Está em construção, no Dubai, um arranha-céus que será o maior do mundo: o Burj Dubai. Não se sabe ao certo com que altura ficará o edifício, mas (…) a estrutura deverá ficar pronta em 2008.”

Na NG: “O xeque Mohammed administra o Dubai como um director-geral competente. Além de uma agenda preenchida de aparições em público, é frequentemente visto a conduzir o seu automóvel pelas zonas menos conhecidas do Dubai, vigiando os locais de construção, tal como o pai fazia, logo de madrugada. Por vezes, sem aviso prévio, aparece nos locais das obras e faz perguntas incómodas, despedindo os pobres capatazes no próprio local e recompensando os melhores trabalhadores.”
Em “A Bola”: “Mohammed bin Rashid al Makto [SIC] (…) tornou-se num dos homens mais importantes da Arábia, mas nem por isso é um rei fechado no seu castelo. Aparece muitas vezes em público e gosta de acompanhar pessoalmente o andamento das construções do emirado. Muitas vezes, logo de madrugada, surge nos locais das obras sem aviso prévio, com perguntas incómodas, sem problemas em despedir, logo ali, os capatazes no caso de algo não estar a seu gosto.”

Por fim:
Na NG: “Entre eles, o xeque escolhe a dedo a próxima geração de executivos do Dubai, incluindo numerosas mulheres.”
Em “A Bola”: “O inverso também acontece, ou seja: recompensa todos aqueles que entende serem os melhores trabalhadores. É ele quem escolhe, com pinças, os executivos do Dubai, entre os quais estão muitas mulheres.”

No dia 10 de Janeiro, os portugueses tiveram duas hipóteses: ou liam a edição desse mês da National Geographic ou liam o “Best of” da reportagem da National Geographic, rearranjado pela pena do repórter [Gonçalo Guimarães]. Tem menos encanto, mas também está bem.

domingo, janeiro 14, 2007

Como na Lotaria

Tinha apostado com amigos que, no jogo de regresso, o Carlos Martins marcaria um golo, faria duas assistências e, depois, seria estupidamente expulso por uma falta absurda.
Acabou por ser como na lotaria: saiu-me a terminação!

quarta-feira, janeiro 10, 2007

As Virtudes da Lixívia

Esta semana, naturalmente, o Atlético é elevado a estatuto de herói, como uma espécie de Robin dos Bosques alcantarense. Muito se falou e falará sobre o popular clube da Tapadinha, mas, pessoalmente, também o Atlético me traz gratas recordações. Era eu menino e moço – já lá vai, portanto, muito tempo (e ponham muito tempo nisso) – quando, pela mão paterna, entrei pela primeira vez num estádio de futebol. Foi um Sporting-Académica, vencido pelos da casa por 1-0, golo de um tal de Nélson. Fiquei então, com um fraquinho pelos leões. A segunda vez, um ou dois anos mais tarde, fui assistir a um Atlético-Sporting, que os visitantes venceram por 0-1, com um golo de Keita mesmo a acabar. Podia ter ficado adepto do Atlético, mas não, continuava indeciso. Como prova dos nove, fui, depois, a um Benfica-Varzim. Não gostei do ambiente, vi-me rodeado por grunhos e barrigudos e dei por mim a torcer pelos poveiros. Foi a primeira vez que fui para casa amargurado por causa de um jogo de futebol – os encarnados ganharam. Por fim, assumi-me como sportinguista de corpo e alma num Sporting-Benfica no velhinho peão do velhinho Alvalade. Ganhámos 3-0!
A partir de então, acompanhei cada vez mais apaixonadamente as atribulações do meu clube. Lembro-me como, no início de cada época, vibrava com as contratações anunciadas. Alguns bons jogadores, é verdade (Zandonaide era um deles), mas outros que não lembram a ninguém. Excepto a alguns presidentes e treinadores…
Em 1979, contratou-se José Eduardo, um dos mais eméritos sarrafeiros do futebol nacional e que se evidenciara, na época anterior, por ter partido a perna ao Jordão. Fomos buscá-lo ao Famalicão e, hoje, continua a dar sarrafadas na gramática – é um dos mais lamentáveis comentadores televisivos e dono de um restaurante. A época de 82/83 trouxe o nigeriano N’Wokocha, recordista africano dos 100 metros, mas que mostrou visíveis dificuldades em marcar. Isolou-se inúmeras vezes, mas se já era difícil acertar na bola, quanto mais na baliza. 1982 foi uma bela safra: aportaram Bukovac, Kikas e Uchoa, que nem nome de jogadores da bola tinham. No ano seguinte, foi a vez de Katzirz (vi-o, uma vez, fazer a única defesa da sua vida nas Antas), Jason e Roger Wilde (nome de craque, sem dúvida, mas só nome. E, de Wild, muito pouco). Em 84, foi a vez de Eldon e Forbs, este resgatado ao Costa da Caparica por um par de redes de pesca e um conjunto de anzóis. Pelo menos justificou o investimento – ainda marcou uns golitos. Finalmente, em 86, dois nomes sonantes: Peter Houtman, credenciado avançado holandês, e McDonald, reputada cadeia de hambúrgueres com nome em todo o mundo. Mas 1988, sim, foi um belo ano: Rui Maside (“sozinho”, eliminou o Ajax), Eskilsson (prefiro não comentar), Jorge Plácido (mais conhecido nas bancadas por Jorge Flácido, tal a capacidade de luta que mostrava) e Miguel, aquele inenarrável defesa central que veio do Guimarães e que ficava sempre bem nos cromos da bola – aquela falha entre os dentes da frente já era uma imagem de marca.
Entre 1989 e 91, começou a época de colheita do viveiro de Alvalade. Marinho Peres, Bobby Robson e Carlos Queiroz trouxeram bons jogadores para o Sporting e souberam aproveitar a qualidade da “cantera”. Mas, ainda assim, uns quantos resistentes conseguiram penetrar e minar o trabalho desenvolvido. Os nomes dos culpados? Ok: José Martins Leal, cuja maior qualidade era ser simpático. Outros atributos? Simpatia. Características? Era simpatiquíssimo. Principalmente para os adversários. Mais nomes: Valtinho, Bozinovski (quem?!), Guentchev (golaço ao Benfica na Luz, embora qualquer golo ao Benfica seja sempre um hino ao futebol) e Edelfrides Lima, tratado carinhosamente, entre insultos e impropérios dos adeptos, por Edel. Parece nome de uma marca de detergente – mas nem os detergentes merecem ser tão insultados. A única solução, para apagar alguns destes nomes que lamentavelmente fazem parte da história do Sporting, só mesmo a lixívia.

segunda-feira, janeiro 08, 2007

Assim se Fala em Bom Português

O programa da RTP “Assim se Fala em Bom Português” utilizou hoje uma situação real do futebol português como exemplo de conjugação de verbos irregulares. Assim, para o professor Malaca Casteleiro, o golo do Atlético no Estádio do Dragão justifica uma mutação vocálica, com alteração do radical, conjugada na expressão utilizada adequadamente pelo jornal “A Bola”: “Vítor Baía ainda impediu um primeiro remate, antes de conceder, sem qualquer responsabilidade, o golo de David.”
Para o prestigiado linguista, o mesmo golo sofrido por Ricardo e apreciado pelo mesmo jornal geraria uma flexão irregular do mesmo verbo, numa típica forma cliticizada por ênclise, conjugável na expressão: “Ricardo voltou a comprometer a baliza do Sporting, com mais um «frango» inqualificável, que o torna indigno de pertencer, não só à ordem dos vertebrados, como à dos invertebrados e porventura à dos advogados.”

domingo, janeiro 07, 2007

Velhaco

Durante 26 anos, fui sócio do Atlético Clube de Portugal por força de uma costela familiar genuinamente alcantarense.
No final de 2006, considerei finalmente que o dinheiro das quotas tinha melhor proveito se usado para outros fins (maioritariamente, para copos de vinho tinto).
Tecnicamente, deixei de ser sócio do Atlético há 7 apenas dias.
Agora venham-me dizer que há um Deus piedoso e justo, que gosta de toda a gente e mais não sei o quê. Deus é um bom velhaco - é o que vos digo.
Já agora, Ó todo-poderoso, também deixei de pagar as quotas da Sociedade Portuguesa de Cardiologia. Vais-me parar o coração só para reinar?

sexta-feira, janeiro 05, 2007

Priceless… ou nem por isso

«O preço da amizade
Ficámos hoje a saber no Jornal de Notícias que o preço da AMIZADE entre JVP e Veiga foi 245 mil euros.»

Do excelente "Sector B32", leitura habitual nesta casa, copio esta "boa piada" . O resto do comentário do Miguel já merece menos gargalhadas… Pelo menos, aos sportinguistas.

quinta-feira, janeiro 04, 2007

Faltam bigodes do Barreiro

Em jeito de prenda atrasada de Natal, a RTP Memória transmitiu na tarde de dia 31 de Dezembro o Sporting-Benfica de 1981/1982, vencido pelos «leões» por 3-1. Só tinha visto este jogo no estádio há 24 anos. As linhas que se seguem narram, com a precisão que a idade permite, os estranhos eventos que tiveram lugar naquela tarde chuvosa.

Eu não sou dado a exageros, mas este foi o melhor «clássico» de todos os tempos.
Comprovei na televisão o que presenciara então no estádio: o Benfica alinhou num ousado 4-3-2-1: quatro defesas, três centrocampistas, dois absolvidos no caso Casa Pia e um pai de transgénero. Era reconhecidamente uma combinação poderosa…
Ninguém o sabia ainda, mas a mãe natureza ensaiava então perigosas experiências com o plantel do Benfica. Zoran Filipovic, que entraria no decurso do jogo, acabara de fabricar uma menina que, abençoada seja ela, não herdara a cara do pai. António Veloso preparava já uma das duas enormes proezas da sua vida: a concepção do filho Miguel (a outra fora o penalty falhado que ofereceu a Taça dos Campeões ao PSV, abençoado sejas, António). Por essa altura ainda, Tamagnini Nené carregava no ventre um mutante.
Na ânsia de contar tudo, porém, precipito-me na narrativa. Falta ensaiar uma pincelada de contexto. É difícil de conceber para os mais novos, mas, à época, as melhores equipas costumavam ganhar os campeonatos! Apito dourado era nome de loja de ferragens, e Pinto da Costa gozava um exílio forçado, preparando a conjura que o levaria ao poder no FC Porto. O major Valentim Loureiro era apenas um alferes que fizera fortuna com um palpite certeiro no totobola nos idos de 1970 (palavra!), e José Veiga iniciara uma carreira fulgurante que o levava diariamente ao topo, ou não fosse ele ascensorista num hotel do Luxemburgo (pena é que, no mesmo dia, o elevador também o levasse ao fundo!) Nem todos os dirigentes do Benfica tinham os bens arrestados, nem beneficiavam de termo de identidade. E o Benfica tinha contratado recentemente um brasileiro – Jorge Gomes – sem recorrer aos serviços do primo Júlio.
Os jogadores ganhavam menos, casavam com cabeleireiras e manicures e faziam campanha pela UDP. Mas esta era sobretudo a fase da luta fratricida em que os bigodes do Barreiro se procuravam impor no futebol português. Expliquemos: fazia então parte do caderno de encargos do departamento de futebol do Benfica contratar o máximo de bigodes barreirenses, farfalhudos, mal aparados e, de preferência, com restos orgânicos acumulados de outras aventuras. Quase sempre, estes bigodes traziam anexados um jogador de futebol.
Quem esquece Carlos Manuel, antes da fase do esfoliante de algas para o duche, do desmaquilhador e do gel revigorante? (Caramba! Quem nunca atravessou uma fase dessas que fale agora ou cale-se para sempre!) Ou Fernando Chalana? Manuel Bento também tinha um bigode lustroso, é verdade, mas faltava-lhe a experiência de metalúrgico nas oficinas da Lisnave. E experiências dessas não têm preço, como diz o anúncio da Mastercard.
Hoje, com a sabedoria que o tempo confere, reconheço com pena que, apesar da rapaziada da margem sul que ali tivemos (o Manel, de Sarilhos ou o Barão, de Mértola), nunca conseguimos gerar um burgesso de primeira água. Alguém que, como o Carlos Manuel, pudesse imitar a réplica shakesperiana e berrar à porta da Casa Pia: “O meu reino, o meu reino por um chavalo!”
A narração televisiva em directo ensaiava então sos primeiros passos. Aliás, essa foi a primeira experiência de Manuel Pedro Gomes como comentador, ao lado de Gabriel Alves – experiência peganhenta e seguramente desagradável. Coube-lhe a frase do dia, quando postulou, do cume da sua experiência, que “o videotape é o inimigo do árbitro”.
O jogo, repito, correu bem. O golo irregular do Benfica (digo sempre isto, mas, desta vez, foi mesmo) despertou a equipa do Sporting. Jordão marcou o golo do empate ainda na primeira parte. Até que, a meio do segundo tempo, o Manel Fernandes chegou tarde a uma bola e deu uma pantufada na cabeça do Bento, vicissitude muito saudada e que, por incompetência, não mais voltou a ser repetida. Tivesse o Bento levado mais bordoada e não tinha saído anos mais tarde de Moscovo com cinco golos no bucho e a queixar-se que no hotel não lhe davam fruta e os russos só comiam palha e mais não sei o quê.
Dizia eu que, ao pontapé em legítima defesa que o Manel desferiu na tromba do frangueiro de Riachos, respondeu barbaramente o frangueiro de Riachos com uma cotovelada inqualificável que quase acertou na cara do Manel. Naturalmente, o árbitro marcou penalty e expulsou o guarda-redes do Benfica.
Por mais anos que viva, nunca esquecerei a expressão atordoada do Chalana naqueles segundos atribulados: os olhos esbugalhados entre a vasta penugem facial, a mente buscando sofregamente o processamento de toda aquela informação. Após meticulosa ponderação, o ás do Barreiro lá perguntou ao Bento que se encaminhava para a linha lateral: “Então, mas vais-te embora?”
E o Bento foi.

terça-feira, janeiro 02, 2007

Eu também tomei ácido

Em histórico testemunho, o jornal “A Bola” publica hoje seis páginas de entrevista a Fernando Santos, dedicadas ao penetrante tema da espiritualidade na vida do treinador do Benfica ou, nas palavras do próprio, a um caso de clique. Ali, com o espaço que a memorável ocasião proporciona, Santos conta a história da religião em versão futebolística usando metáforas que fariam inveja a Santo Agostinho.
Duvida? Ora comprove a réplica lapidar do treinador quando o informaram que estava convocado para a selecção de Cristo:
- Disseram-me no último dia do curso de cristandade: “Cristo conta contigo”
- E eu respondi: “Pode contar!”

Seco. Peremptório. Decidido. Fernando Santos acatou a convocatória do mister dos misteres, mostrando estar pronto a dar o seu contributo à equipa, mesmo que a substituição já decorra no tempo de compensações ou que o coloquem como acólito, fora da sua posição original.
Esclarecido, Fernando Santos revela também que é contra o aborto. Contra a eutanásia. Contra os partos assistidos e contra a anestesia no tratamento das cáries dentárias. Contra os dálmatas de porcelana nas salas de jantar e contra as pessoas que mudam sílabas nas palavras grandes e dizem “befatada” ou “tufone”. Contra as gaitas presas no fecho éclair das calças de ganga [ele há tragédias inconfessáveis!] e contra os trejeitos contranatura do Ney Matogrosso. Resumindo: em havendo pilhéria, Fernando Casto… perdão… Fernando Santos está contra! Faz algum sentido: a maioria dos benfiquistas que conheço também está contra o Fernando Santos no Benfica!
Conduzida pelo sóbrio José Manuel Delgado, jornalista que junta a pose impecável de estadista a uma atroz ausência de ridículo, a entrevista toca nas questões fracturantes [desta vez, não tem nada a ver com o Petit] da fé e identifica as questões palpáveis [sem qualquer relação com o metier de Carolina Salgado] da religião. Fernando Santos pretende que se pare a guerra no Médio Oriente para que todos possam discutir os respectivos pontos de vista, perspectiva que me parece, não só refrescante, como pragmática. Afinal, nunca ninguém quer conversar com os homens-bomba! Aliás, por trás da barbárie paleolítica de um lançador de rockets – especialidade só por malícia não reconhecida pelo Comité Olímpico Internacional –, esconde-se uma alma compassiva e meiga, capaz de assistir a uma peça de duas horas da Seiva Trupe sem perfurar o pâncreas com palitos lareine.
Fernando Santos é aquilo que os psicanalistas chamariam um palerma. E eu também não devo estar benzinho porque perdi 20 minutos do meu tempo a lê-lo.